sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O jornalismo e a sociedade

por Mauro Santayana

Diante da deterioração do Estado e da conduta política, que nos angustia, cabe aos jornalistas, publicitários e escritores exame rigoroso de consciência a fim de pesar a sua responsabilidade nesse processo. O Primeiro Salão do Jornalista e Escritor, promovido pela ABI de São Paulo e organizado por Audálio Dantas, provocou sérias reflexões sobre o assunto. Os convidados, homens de experiência e talento, são conhecidos por sua independência e reputação ética.

Foram convidados jornalistas que eventualmente escrevem livros e escritores que trabalham também em jornais e revistas. Mas não se tratou apenas do estilo e da gramática. Os debates conduziram, naturalmente, ao exame do comportamento dos meios de comunicação na sociedade de hoje, que se move sob os signos do mercado, do lucro fácil e da vulgaridade. Uma constatação comum aos que estiveram no Memorial da América Latina foi a de que o sentimento de compaixão para com os pobres desapareceu dos meios de comunicação. Tal como a Justiça, que é quase sempre de classe, o jornalismo também parece ser assim.

É certo que, no passado, houve jornalistas que sempre agiram em favor dos ricos e privilegiados, e notórios bandidos, cujas máquinas de escrever funcionavam como metralhadoras de assaltantes. Mas a maioria, quase sempre vinda do povo, se indignava contra a injustiça. Reportagens retratavam o sofrimento do povo e estimulavam a solidariedade. Hoje, as reportagens praticamente desapareceram dos jornais e revistas.

Também são poucos os escritores de nosso tempo que tratam de temas sociais importantes, como foram, no passado, Dionélio Machado (Os ratos), Jorge Amado (Capitães da areia e Jubiabá, entre outros), Graciliano Ramos (Vidas secas), Érico Veríssimo (Saga, Caminhos cruzados), José Lins do Rego (Fogo morto). Isso ocorre no mundo inteiro. Não há mais ficcionistas como Zola (Germinal), Michael Gold (Judeus sem dinheiro), John dos Passos (Manhattan transfer), John Steinbeck (Vinhas da ira), e tantos outros. Podemos lembrar também os escritores da Resistência, como o grande Vercors, com as clandestinas Éditions de minuit, durante a ocupação da França pelos nazistas. A literatura, acompanhando o espírito de nosso tempo, salvo poucas exceções, deixou de incitar à reflexão para indicar o caminho da evasão. Publicitários promovem autores medíocres e transformam qualquer livro em best-seller, o que não significa fazer dele um best-reading. Coube a Ziraldo, no encontro de São Paulo, a nota mais cáustica contra esse tipo de literatura, ao dizer que agora só falta alguém escrever O cafetão de Cabul. É bem verdade que o Ciclo de Cabul é um caso de marketing político para induzir a aversão aos muçulmanos.

Não se ausentou do encontro a nota de esperança dos jovens. A repórter Eliane Brum defendeu a presença da vida da gente comum - que deve ser tratada com solidariedade e respeito - nos meios de comunicação de massa. Aquela mesma gente comum que começa a expor - e com orgulho legítimo - a própria imagem, na periferia das grandes cidades e nas margens da sociedade de consumo. Quando os costumes corroem a cultura, é a contracultura que pode salvá-la, como ocorreu há 400 anos, com o Dom Quixote de Cervantes.

Foi consensual a conclusão de que não há imparcialidade no jornalismo. Tudo, na vida, é escolha, e a escolha é o fundamento da liberdade, mas, em qualquer situação, a verdade nunca deve ser negada ao leitor, ou ao telespectador. O jornalista terá que ser independente em seu juízo, em respeito a tudo o que identificar como sendo verdade.
*Mauro Santayana escreve a coluna Coisas da Política no JB

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