sexta-feira, 28 de setembro de 2007

200 ANOS DE IMPRENSA NO BRASIL: TEMPO DE REFLEXÃO

O Ciclo de Conferências A Imprensa discute a Imprensa marca o início das comemorações dos 200 anos da Imprensa Nacional e se estenderá ao longo do próximo ano. Trata-se de um momento histórico, necessário, oportuno, para pensar a mídia. Em 13 de maio de 2008, a Imprensa Nacional (criada com o nome de Impressão Régia) completa o seu bicentenário. Foi no contexto da criação do Órgão, há 200 anos, que nasceu também a imprensa brasileira. E, em duas outras datas de 1808, nascia o jornalismo brasileiro, com o Correio Braziliense (1º de junho) e a Gazeta do Rio de Janeiro – primeiro jornal impresso no Brasil, em 10 de setembro. A partir daquele ano, intensificava-se a circulação de idéias e informações no país, gerando uma aurora civilizatória por meio de jornais e de uma intensa produção de livros (na Impressão Régia).

A Imprensa Nacional, reunindo grandes nomes do Jornalismo e das Ciências da Comunicação (universo das redações e da academia), historiadores e outros pensadores nacionais e do Exterior, oferece à cultura brasileira, assim, a partir deste ano, uma rara oportunidade de buscar um pensamento novo a respeito das perplexidades da mídia ante a pressão diária das novas tecnologias de informação. Oportunidade também para mergulhar na história de nossa imprensa. Afinal, como disse Machado de Assis, é necessário “aprender a parte do presente que há no passado.”

Parte da mídia, a impressa, vive um momento de perplexidade. “A transformação pela qual o jornalismo passa é histórica, tão importante quando a invenção da televisão ou do telégrafo, talvez tanto quanto a invenção do processo de impressão em si”, diz o estudo mais sério, amplo e recente sobre o jornalismo dos Estados Unidos. “O Estado da Mídia – 2007” é um levantamento rigoroso em 160 mil palavras, produzido pelo Projeto para a Excelência no Jornalismo, de Washington. A circulação de jornais cai nos Estados Unidos. A capa da prestigiosa publicação The Economist (em papel) fez esta pergunta no dia 26 de agosto do ano passado: “Quem matou os jornais?”. Lembremos que o jornal já venceu outras guerras e tem 402 anos de idade. Está em busca de um novo modelo.

Os conferencistas, já a partir do evento deste dia 1º de outubro, vão intervir profundamente no tema da crise da mídia, de forma que o Ciclo de Conferências produza conteúdos consistentes de diagnóstico que apontem saídas para os impasses que são de vários matizes. Pontos como estes serão tocados com bisturi: novas tecnologias-novas mídias, webjornalismo (podcasts, blogs, o repórter-com-câmara-de-vídeo etc), queda de credibilidade, jornalismo-cidadão, convergência digital, durabilidade dos suportes, jornais locais e regionais, replicagem de conteúdos produzidos pela mídia tradicional, jornais gratuitos, ética, denuncismo, Habermas e o seu conceito de nova esfera pública, sensacionalismo, manipulação, comunicação brasileira – equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal, criação da TV Pública no Brasil, Sistema Brasileiro de TV Digital, jornalismo literário e qualidade jornalística.

O ciclo que agora começa vai lançar luzes num cenário marcado por perplexidades, euforia e ceticismo. As conferências e os debates são muito necessários, pois a imprensa é os olhos da sociedade – ou, como disse o poeta inglês John Milton: “A imprensa é a luz da liberdade.”

Boas-vindas e bom ciclo a todos – conferencistas, jornalistas, estudantes, professores universitários e demais interessados nessa candente temática.


Curadores José Bernardes e Helenilda Lima

COMISSÃO INTERNA COMEMORATIVA DO BICENTENÁRIO DA IMPRENSA NACIONAL

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Quem matou Taís?

"Se cair, levo um monte junto. Esse é o risco que corre quem tem escudeiro. O escudeiro conhece as manias do príncipe, as fraquezas do príncipe, as sacanagens do príncipe. E seu conhecimento pode destruir o príncipe. Para livrar-se dele o príncipe tem que mandar matar. Ou aceitar a chantagem",

por
Luciano Pires

Lá para os idos de 1990, Renan Calheiros era um fiel escudeiro de Fernando Collor. Lembro que ele chamava atenção pelo cabelo sempre despenteado. Era uma figura estranha, vivendo na sombra do poder. Foi eleito senador pelo estado de Alagoas em 1994 e reeleito em 2002. Quando do impeachment, fazia parte da "tropa de choque" que defendia Collor.

Collor se foi, mas Renan ficou. E aprendeu como poucos a navegar no mundo da política. Foi ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso, ocasião em que presidiu a XI Conferência dos Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos, e pouco depois a reunião dos ministros do Interior do Mercosul, Bolívia e Chile. Foi também presidente do Conselho Nacional de Trânsito (Contran); do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda); do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) e do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp). Em 2002, foi um dos mentores do Estatuto do Desarmamento. Chegou a Presidente do Senado Federal em 2005 e foi reeleito em 2007. O cabelo despenteado desapareceu, a roupa melhorou, o patrimônio aumentou. E ele acabou traçando aquela tetéia que era repórter da Rede Globo. O resto já sabemos. O escudeiro transforma-se na figura central da política brasileira durante o primeiro semestre de 2007. Surgem denúncias em cima de denúncias. Mas o cara não cai. Resiste bravamente, de tal forma que começamos a desconfiar que ele tem mais do que inocência.

Ele sabe das coisas. Ou melhor, ele sabe de coisas. Sabe tanto que pode ameaçar: - Se cair, levo um monte junto. Esse é o risco que corre quem tem escudeiro. O escudeiro conhece as manias do príncipe, as fraquezas do príncipe, as sacanagens do príncipe. E seu conhecimento pode destruir o príncipe. Para livrar-se dele o príncipe tem que mandar matar. Ou aceitar a chantagem.

O que assistimos nos últimos meses talvez seja um dos maiores escândalos de chantagem pública "destepaíz". Nunca antes um senador teve em suas mãos tanto poder, tanto conhecimento para causar medo.

Veja só: provoca o afastamento de Fernando Collor, que se licencia de seu mandato reconquistado depois de cumprir a pena pelo impeachment. Collor não pode votar contra seu ex-escudeiro. Provoca a saída do país do Presidente Lula, que faz teatro do outro lado do mundo. Destrói a carreira de Aloísio Mercadante, que mais uma vez tenta explicar o inexplicável, justificar o injustificável.

Expõe a cara-de-pau de um Romero Jucá, de um Epitáfio Cafeteira. Deixa explícito que a mídia pode muito, mas não pode tudo. Mancha definitivamente a imagem do Senado.

É poder demais para um senador só, o que nos leva a perguntar: o que é que Renan sabe?

Eu posso imaginar. Sabe de outros senadores e deputados que usam dos mesmos expedientes que ele usou para benefício próprio. Sabe tudinho do mensalão. Sabe das negociatas para compra de votos, para mudança de legenda, para proteção de empresas devedoras frente ao fisco. Sabe das doações de bancos e grandes empresas. Sabe de concessões de rádio e televisão. Sabe quem come quem. Sabe dos propinodutos variados (aliás, quando é que uma CPI vai dedicar-se a esmiuçar os contratos da área de informática no governo?). Deve saber dos acordos envolvendo as Farcs. Chavez. Fidel Castro. Sabe de muitos outros filhos fora do casamento. Talvez Renan saiba quem matou Celso Daniel e o Toninho do PT. Deve saber sobre os bastidores das privatizações. Conhece alguns - ou muitos - podres envolvendo as grandes estatais. Sabe do Kia, do Boris e do Corinthians... Renan tem o poder supremo: informação. Ele manda em quem quiser. Ele dita regras, exige apoio e faz tremer. Renan pode tudo. E sabe que pode. Daí aquela segurança, aquela arrogância, aquele sorrisinho, aquele "abisolutamente", aquela certeza, aqueles abraços e apertos de mão inexplicáveis. Renan é o cara.

Quer saber? Eu acho que Renan sabe até quem matou a Taís.

E nós, que pensamos que sabemos das coisas e na verdade sabemos de nada?

Vamos seguir a vida, bovinamente resignados e obedecendo ao supremo mandamento do novo Brasil:

- Cale a boca. E compre.

Será que o Renan sabe até quando?

*Este artigo é de autoria de Luciano Pires e está liberado para utilização em qualquer meio, contanto que seja citado o autor e não haja alteração em seu conteúdo.

A manipulação da História

"Vocês não acham estranho que só agora, depois de cinco anos, é que o senhor Ali Kamel (e o resto da mídia liberal) decidiu condenar um livro que está sendo distribuído aos estudantes do ensino gratuito? Será que é porque o presidente Hugo Chàvez resolveu contar uma nova história sobre seu país? Uma história que, evidentemente, não vai elogiar o capitalismo",


Por M. Pacheco*

O editorial da revista Época desta semana é um ótimo exemplo do que estou comentando no artigo "A mídia está virando partido político?". O Partido da Mídia por ser mais um Partido Liberal como era o PFL e agora é o DEM - sem esquecer do que o social-democrata FHC fez durante oito anos e o “socialista” Lula já vai para o sexto repetindo - está tão certo de que somos apenas um reboque dos Estados Unidos da América, que não aceita qualquer crítica ao “Ideal Capitalista”.

Vejam o que destaquei do editorial da Época:

“Quem controla o passado, controla o futuro; e quem controla o presente, controla o passado” – dizia o jornalista e escritor britânico George Orwell”. Se a revista cita o escritor é porque concorda com o que ele dizia. Portanto, a Época também acha que quem controla o presente controla o futuro. Certo?

Agora vejam o segundo parágrafo:

“Orwell certamente ficaria estarrecido com as revelações feitas na semana passada pelo jornalista Ali Kamel, em seu artigo no jornal O Globo. Kamel expôs trechos de um livro de história que, por cinco anos - o grifo é meu - recomendado pelo Ministério da Educação. O livro ensina uma História tendenciosa, maniqueísta, e estereotipada. Na hora de abordar as revoluções chinesa e cubana sobram elogios – e nada dos crimes perpetrados por Mao ou Fidel”.
Agora vocês já pensaram o que essa mídia diria, se o livro mostrasse os crimes do capitalismo, como a matança de iraquianos que o Bush vem fazendo em nome da indústria do petróleo? E dos outros crimes do capitalismo como os boicotes que provocam fome e miséria, só porque os paises boicotados (melhor diria “boicoitados”) insistem em não praticar o capitalismo como eles querem? (Não confundir com o capitalismo que eles praticam).

E tem mais. O editorial da Época termina dizendo:

“Numa democracia, é direito de qualquer um pensar, escrever e publicar o que quiser sobre o que quer que seja. É um absurdo, porém, um Estado democrático que vive no sistema capitalista - o grifo é meu - endossar, por meio de sua política de compras, uma visão de mundo que absolve criminosos, condena a geração de riqueza (sic) e quer ensinar a nossas crianças uma História simplificada e deturpada”. Como se vê, só eles – o partido da mídia liberal – é que podem dizer o que quiser, inclusive deturpar as notícias e, até, a história, para manter o poder nas mãos dos que exploram as riquezas dos povos ignorantes.

Em tempo: Vocês não acham estranho que só agora, depois de cinco anos, é que o senhor Ali Kamel (e o resto da mídia liberal) decidiu condenar um livro que está sendo distribuído aos estudantes do ensino gratuito? Será que é porque o presidente Hugo Chàvez resolveu contar uma nova história sobre seu país? Uma história que, evidentemente, não vai elogiar o capitalismo.

M. Pacheco é Jornalista Independente do blog Quem se Omite, Permite!

domingo, 23 de setembro de 2007

A mídia está virando partido político?

"Esses jornais e revistas sempre defenderam a mesma ideologia; sempre defenderam os interesses do mesmo patrão. O que aconteceu foi que os outros jornais, que defendiam outras ideologias e os interesses de outros patrões – os leitores – é que desapareceram",


por
M. Pacheco*

Primeiro, é necessário lembrar que houve um tempo – antes da ditadura – em que havia tantos jornais quantas ideologias existissem.

Na minha juventude, eu podia escolher entre Última Hora e Tribuna da Imprensa. E quase sempre comprava os dois porque precisava saber o que o “outro lado” estava dizendo. Mas havia dezenas de grandes jornais que atendiam aos gostos de todos os leitores – e eleitores, evidentemente.

E sabe por quê?

Simplesmente porque os jornais não dependiam de ninguém – além dos leitores – para se manter.

Havia, sim, os que faturavam com a publicidade. Os matutinos que publicavam anúncios classificados. E esses - via de regra - eram chamados de conservadores, apesar de defenderem as idéias chamadas “liberais” da economia.

A televisão, que já havia nascido, ainda não tinha o poder de mudar a cabeça dos telespectadores. Aliás, nem precisava, porque quem tinha um aparelho de Tv, era da classe média e média alta, e já pensava – e consumia – tudo o que os que “financiavam” seus sonhos produziam.

Um pouco antes, era o cinema de Hollywood, que determinava os caminhos que a classe que consumia, deveria seguir.

Mas voltemos aos jornais que “viraram partido político”.

Pensando bem, não aconteceu o que eu e outros jornalistas estamos dizendo. Os jornais O Globo, Estadão, Folha, etc., e as revistas Veja, Época, etc. não se “transformaram” em Partido Político, simplesmente porque sempre foram. Esses jornais e revistas sempre defenderam a mesma ideologia; sempre defenderam os interesses do mesmo patrão. O que aconteceu foi que os outros jornais, que defendiam outras ideologias e os interesses de outros patrões – os leitores – é que desapareceram.

E sabe quando?

Exatamente quando esses jornais e as emissoras de televisão começaram a crescer no Brasil.

Quando a chamada ditadura militar – que eu chamo de ditadura dos tecnocratas e ditadura liberal – começou a perseguir os jornais e jornalistas que faziam oposição, mostrando o que – realmente – acontecia no Brasil.

A perseguição era tanta que até mesmo jornais “conservadores” que ajudaram a divulgar as idéias “revolucionárias” da direita, também foram fechados – como o Correio da Manhã, no Rio de Janeiro – que teve a coragem de criticar os rumos que a ditadura estava tomando.

Depois disso, veio a era das verbas oficiais, pelas quais os jornais e emissoras de rádio e televisão se vendem, como se vendem aos próprios anunciantes, não especificamente a este ou aquele, mas ao sistema que os mantém funcionando que é o da “economia de mercado”, da “livre” concorrência e “livre” iniciativa; da “propriedade privada dos meios de produção” e, principalmente da “liberdade de expressão” e de “opinião”, desde que essa expressão e essa opinião não seja emitida contra os ideais capitalistas já referidos neste parágrafo.

O que se convencionou chamar de Partido da Mídia, eu diria até Partido Único, porque não existe quem defenda as outras idéias. Apenas os “Ideais Capitalistas”.

Para se ter uma idéia do quanto esse partido único está forte, basta ler o que o jornal O Globo vem publicando sobre um livro didático que está sendo distribuído nas escolas públicas, onde o autor caiu em desgraça, porque decidiu expor os dois lados da história, para que nossa juventude não seja levada a pensar que só existe um lado.

*M. Pacheco é Jornalista Independente do blog Quem se omite, permite!

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O dia em que matei Tancredo e o dia em que Tancredo me matou

por Paulo José Cunha*


No dia em que matei Tancredo Neves quase não dormi, preocupado. Afinal, gostava muito dele, não tanto pelas suas idéias, mas porque me distinguia com o tratamento de “Professor”. Quando cruzava comigo nos corredores do Congresso, cumprimentava-me, todo cordial: “Professooooor...!”

Isso até descobrir que ele tratava por “Professor” qualquer pessoa de quem não sabia do nome ou havia se esquecido. Acho que me incluía entre os últimos. Acho até que nunca soube meu nome.

Mas não foi por isso que o matei. O assassinato deveu-se a motivos puramente profissionais. E se tivesse ido a júri, no máximo seria condenado por homicídio culposo, nunca doloso, com a intenção de matar. Não sei nem se houve dolo. Mas que houve traquinagem, ah, isso houve.

Finalzinho do governo Figueiredo, e Figueiredo nada de indicar candidato à sua própria sucessão. Especulações de toda ordem. Quartéis calmos, nenhum militar se apresentando para dar seqüência ao desfile de generais-presidentes. “Prendo e arrebento”, dizia Fiqueiredo, advertindo, lá do jeito dele, para a necessidade da abertura política e da recomposição democrática do país. Só Maluf – sempre ele – estava com a cabeça de fora, todo serelepe, certo de que, montado no espólio da velha direita, tinha chances de ser a opção civil na transição para a democracia. Dizia-se que Figueiredo não ia com a cara de Maluf. Em compensação, também não dizia nada: Figueiredo era moita pura. E as especulações correndo.

Reunião noturna, num quarto do Hotel Nacional, em Brasília, entre Ulisses Guimarães e o ainda governador mineiro Tancredo Neves. Tema: sucessão. Fui escalado para ir lá, fazer matéria para o “Jornal da Globo”. Ao chegar, cuidamos em preparar tudo, para flagrar os visitantes à saída. E toca a instalar luz, testar câmera, testar som. Ah, testar som... A desgraça foi aí. Sempre detestei contar na frente do microfone, aquela história de “1, 2, 3, testando”. Prefiro inventar qualquer bobagem, mas contar, nunca. Inventei e comecei, falando alto ao microfone: “O Presidente Figueiredo acaba de anunciar que o governador de Minas, Tancredo Neves, é o nome ideal para sua sucessão...” E fui por aí, inventando toda sorte de maluquices, só pra testar o microfone. Só não me dei conta de que a reunião acabara e Tancredo já estava atrás de mim, e ouvira tudo. Interrompeu-me, aos berros: “Onde saiu isto, quem falou isto, a que horas o Figueiredo anunciou isto? Ninguém me avisou de nada, como tudo isto aconteceu”? Uma carrada de perguntas encangadas uma na outra, e eu gaguejando, tentando responder, explicar, e o homem com o olho arregalado, os braços pra cima, sem me deixar falar. “Dr. Tancredo, deixe eu lhe explicar, eu só estava...” – Como é que acontece uma coisa dessa gravidade e ninguém me diz nada! O jeito foi segurar-lhe com firmeza o braço, falar mas alto e contar-lhe que tudo não passara de um teste de microfone. O braço dele gelou, o olho fechou, a cabeça virou-se repentinamente para trás. “Pronto, matei o homem!”. “O senhor está bem, Dr. Tancredo? Está sentindo alguma coisa?” Logo se recobrou, segurou a ponta da gravata com uma mão, passou a outra pelo meu ombro e, respirando fundo e meneando a cabeça, desabafou: “Professoooor, assim você me mata!”

Agora, a minha morte. No dia em que me mataria, Dr. Tancredo já estava a caminho de São Paulo, onde morreria de vera naquele 21 de abril. Estado clínico agravado, o jeito fora removê-lo de Brasília para o Sul Maravilha, em busca de melhores recursos médicos. Durante todo aquele tormento, era eu quem tinha de entrar ao vivo todo início da manhã, contando o que acontecia no Hospital de Base durante a noite e a madrugada. O pior é que não acontecia nada. O primeiro boletim sempre saía às 8 ou 9 da manhã, pelo meu ex-colega de TV Globo, Antonio Brito, agora porta-voz de Tancredo, quando o “Bom Dia, Brasil” já tinha ido ao ar. Passava as noites em claro, esperando acontecer alguma coisa, alguém contar um detalhe que fosse. Nada. O jeito foi aprender a dormir nuns sofás de cor cinza (o primeiro sofá a gente nunca esquece).

Mas, agora, o homem tinha ido embora. Seguidas vezes havia tentado subir até o andar onde ficava o quarto dele. Implorava aos médicos e enfermeiros por um fiapo de imagem que fosse, uma informaçãozinha qualquer, mesmo furreca, mesmo pobrinha, qualquer coisa que me salvasse dos boletins requentados que era obrigado a fazer. Mas não rolava nada. Naquela manhã voltei à carga, argumentando com um enfermeiro que tinha se tornado meu chapa, que agora o homem já não estava lá, então que tal me deixar subir e mostrar o quarto onde ele permanecera durante todos aqueles dias e noites? O telespectador brasileiro ia agradecer... Heim, heim, que tal? Pôxa, eu sempre respeitei todas as orientações, nunca tentei entrar onde não me era permitido, bem que agora você podia quebrar meu galho e me deixar entrar no quarto do homem... Heim, heim? Vai, quebra meu galho aí...

O cara compadeceu-se de mim, e me deixou subir, com a equipe. Filmamos tudo, cama desfeita, equipamentos, utensílios, instrumentos, roupas sujas em armários, tudo. Revirei onde pude, bisbilhotei à vontade. E fiz uma ótima matéria para o Jornal Hoje. À saída, um médico interceptou nossa equipe, queria saber de onde vínhamos. Contei tudo, menos o nome do meu benfeitor. “Remexeram em alguma coisa?” Claro, respondi. Sem remexer, como mostrar a intimidade do quarto onde o futuro presidente da república estivera entre a vida e a morte?

- Quem vai morrer é você, rapaz. Aquilo lá está cheio de bactérias. Nunca ouviu falar de infecção hospitalar? Não sabe que, mesmo com toda a proteção, você pode contrair doenças terríveis se não se proteger com máscaras e roupas especiais? Pelo menos lave bem as mãos AGORA e depois vá pra casa, tomar um bom banho.

Morri, mas de medo. Voei pro banheiro lá de casa. Só depois de um belo banho voltei à redação pra fechar a matéria.

Hoje, tantos anos depois, percebo que Dr. Tancredo e eu estamos quites. Eu o matei num dia, ele me matou noutro. Mas isso é o de menos. Pior é a saudade daquele “Professoooor!” berrado pelos corredores do Congresso. Talvez por isso, anos depois, tenha me tornado mesmo professor de Jornalismo, onde ensino que o primeiro mandamento da profissão é não matar nem morrer. O resto é moleza.

*Paulo José Cunha é jornalista e professor universitário

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Anistia: após 28 anos, esperança de solução para os desaparecidos

O livro-relatório lançado pelo governo federal pede mais investigações para tentar localizar os restos mortais dos desaparecidos políticos durante o regime militar

Para recuperar a história de cerca de 400 militantes políticos vítimas da ditadura militar no país, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) lança o livro “Direito à memória e à Verdade - Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”. A obra relata o trabalho da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos - instituída pela Lei nº 9.140 de dezembro de 1995 - que, durante 11 anos, trabalhou na busca de solução para os casos de desaparecimentos e mortes de opositores políticos por autoridades do Estado durante o período de 1961 a 1988. O livro, lançado na data em que a Lei de Anistia, de 28 de agosto de 1979, completa 28 anos, é o primeiro documento oficial do governo federal a relatar as condições em que os opositores da ditadura civil militar foram torturados e mortos.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o ministro da SEDH, Paulo Vannuchi - organizador da publicação -, afirma que "a partir de agora temos um livro oficial com carimbo do governo federal, que incorpora a versão das vítimas". Segundo ele, um dos desafios que ainda se colocam para a Comissão é a localização dos restos mortais dos desaparecidos durante o regime. No entanto, para que isso aconteça, ele lembra que "é preciso que haja um procedimento interno dentro das Forças Armadas, no sentido de que eles ouçam militares que participaram da repressão e que tenham informações para podermos cumprir esse direito milenar e sagrado das famílias de enterrar seus entes queridos".
Quem é

Cientista político e jornalista, Paulo de Tarso Vannuchi foi preso político entre 1971 e 1976 e um dos 34 signatários do amplo dossiê entregue ao presidente nacional da OAB, Caio Mário da Silva Pereira, em 23 de outubro de 1975, arrolando os nomes de 233 torturadores, descrevendo os métodos de tortura, as unidades onde eram praticadas e apresentando uma primeira lista geral dos assassinados desde 1964. É co-fundador e membro do Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae. Trabalhou na equipe que realizou, sob sigilo, o projeto de pesquisa “Brasil Nunca Mais”. Co-fundador do Instituto Cajamar, ao lado de Lula, Paulo Freire, Florestan Fernandes, Antonio Candido, Perseu Abramo e outros, e desde dezembro de 2005, secretário especial dos Direitos Humanos, que possui status de ministério.
Brasil de Fato - Como surgiu a idéia de fazer o livro?
Paulo Vanuchi - Quando eu cheguei na Secretaria, em dezembro de 2005, já havia a idéia geral de fazer um livro-relatório. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi instituída pela Lei nº 9.140 de dezembro de 1995 e começou a funcionar em 1996. Esse é o primeiro documento oficial do Estado brasileiro que faz tal relato. Houve muitos trabalhos de jornalistas, especialistas, dossiês dos mortos e desaparecidos que tratavam do assunto, mas faltava um documento oficial. Ele registra toda essa informação que não estava sistematizada feita com base no trabalho da Comissão, a qual foi criada com três objetivos: formalizar o reconhecimento de que o Estado era o responsável pela morte de opositores políticos, promover a reparação indenizatória e reunir esforços para localizar restos mortais de aproximadamente 140 brasileiros cujos corpos não foram entregues aos seus familiares. A Comissão trabalhou 479 casos, dos quais 118 foram indeferidos. Dos 353 deferidos, já havia 136 que estavam numa lista anexa à Lei. O livro resgata e documenta sem esconder nada, como o que ainda falta ser realizado, como a questão da localização dos corpos. Para que isso aconteça é preciso que haja um procedimento interno dentro das Forças Armadas, no sentido de que eles ouçam militares que participaram da repressão e que tenham informações para podermos cumprir esse direito milenar e sagrado das famílias de enterrar seus entes queridos. E isso envolve a necessidade de abrir arquivos e fazer uma narrativa. A partir de agora temos um livro oficial que incorpora a versão das vítimas com o carimbo do governo federal. Não é uma iniciativa que tenda a gerar aplausos e contentamento das Forças Armadas, porém, nosso entendimento é de que a Comissão é de Estado e não do governo Lula. Ela atravessa quatro mandatos presidenciais com uma linha de continuidade.
A localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos prescinde da abertura dos arquivos militares.
É preciso abrir todas as informações pertinentes. Em termos técnicos, os arquivos sobre a repressão política já têm mais de 25 anos e, pela lei brasileira, já estão “desclassificados”. A classificação pode ser entre reservado, secreto ou ultra secreto, de acordo com a lei 11.111, promulgada em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Como não houve nenhum procedimento de reclassificação desses arquivos, eles estão rigorosamente abertos e onde quer que eles apareçam não estão mais protegidos pelo sigilo. No entanto, a alegação de unidades militares mais de uma vez diligenciados pela Comissão é de que os arquivos foram destruídos com base na legislação vigente em cada época. Acontece que a legislação vigente em cada época sempre exigiu que, para destruir um arquivo, fosse assinado um termo de eliminação de arquivos, com testemunha. Se houve mesmo a destruição de arquivo, será necessário apresentar esse termo de destruição ou será preciso abrir uma sindicância para apurar quem foi o responsável pelo crime de destruição de um documento que não podia ser destruído. Há inúmeras publicações recentes que mostram que documentos estão indevidamente em mãos particulares, possivelmente de ex-participantes dos órgãos de repressão.
O senhor acha que com a publicação do livro pode exercer uma pressão para a localização dos restos mortais dos desaparecidos?
O livro expressa o ponto de vista de uma área do governo, que é de direitos humanos. Nessa área não restam dúvidas de que houve violações. Na própria apresentação do trabalho dizemos que nosso objetivo é o da busca da reconciliação. Mas ela não pode ser feita na omissão ou no silêncio. A democracia brasileira, os direitos humanos e o governo Lula firmam uma posição muito clara nesse sentido. Agora, evidente que, a partir desse livro, o encaminhamento de passos seguintes também depende muito do presidente e do ministro Nelson Jobim que, por sorte, é o autor da lei de mortos e desaparecidos quando ele era ministro da Justiça do governo Fernando Henrique. Então, eu acho que o momento é muito importante. O tema passa a ter um documento oficial do governo brasileiro que evidentemente vai ser distribuído. O que não pode haver é silêncio com o argumento de que vai abrir feridas. Há um direito inalienável, que é o direito dos familiares. Aí não tem silêncio. Ou podem dar a desculpa de que os corpos não podem ser procurados porque eles já foram destruídos. Precisam contar quem destruiu, quantos foram. Eu tenho a convicção que nós não vamos localizar os 140 corpos, mas uma parte temos muita chance de localizar. A gente não pode permanecer nessa atitude de evasivas, de não empenho.
O presidente da Comissão, Marco Antônio Rodrigues Barbosa, disse que o livro significa um “resgate à memória e o direito à justiça”. O documento também fala da interpretação da Lei de Anistia, que é considerada polêmica por muitos. A partir desse livro seria possível discutir a revisão da Lei de Anistia?
Esse é um tema mais delicado e a Comissão seguiu um norte durante 11 anos. O foco é no trabalho de reconhecimento, de indenização e o objetivo humanitário de localizar os corpos. Não entro no tema da responsabilização. O Marco Antônio, quando utilizou a palavra “justiça” pode estar falando de justiça no sentido de “eu não exijo que o torturador vá para a cadeia, mas eu exijo que a filha dele saiba que ele violentou sexualmente a presa política que estava no pau-de-arara”. Isso também é uma maneira de se fazer justiça. A Comissão firmou essa linha de 11 anos e, evidentemente, isso suscita uma possível crítica de familiares, de organizações de direitos humanos. Podem dizer que “esse livro devia exigir a punição e terminar recomendando a abertura imediata de processo”. O livro podia falar “é possível fazer uma nova uma nova Lei de Anistia” ou também podia ignorar a polêmica sobre a Lei. Optamos por não esconder nada, como a existência de uma consistente polêmica. Juristas de importância sustentam que, por um lado, o crime de tortura é imprescritível e, de outro, existe o crime permanente da ocultação de cadáver. Em tese, a Anistia absolve tudo com força de uma palavra chamada crimes conexos. E os juristas com muita fundamentação vão argumentar que, se o legislador quisesse absolver o torturador, a redação da Lei seria: “Estão anistiados os delitos políticos cometidos pelos opositores ao regime e também os eventuais crimes cometidos na repressão a esses opositores”. Aí seria claramente uma lei acobertando ou agasalhando essas violações. Como em 1979 preferiram por um caminho cínico, ficou combinado entre os parlamentares da época que a palavra “conexo” queria dizer isso. Nenhum tribunal internacional, nenhum grupo de legisladores, a quem for apresentada essa lei como arbitragem vai dizer que a redação que ela tem é uma redação que absolve todos os violadores,degoladores, estupradores. O tema da anistia é um tema que pode ser suscitado pelos paralmentares, pelo Ministério Público e pela sociedade civil. O governo, com a análise política que todo governo faz, baseado no seu projeto estratégico e correlação de forças, preferiu manter a linha de continuidade dessa comissão, de não abrir esse tema. Então, depende se esse livro ajuda a acender um debate.
Como o senhor vê iniciativas como a da família Teles, que entrou com uma ação civil declaratória contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de torturar a família no Doi-Codi?

Vejo como uma iniciativa boa, corajosa, inteligente. É uma coisa muito sagaz do Fabio
Comparato, que percebeu que se existe um argumento de que a Anistia anistiou, vamos driblar. Não é uma ação mais a reparação civil. A ação civil cria um direito que fica difícil comprovar. O argumento desapareceu e ele foi fazer atos de desagravo e pouco se articulou nessa linha de “estamos sendo vitimas de revanchismo”. A família pedia o reconhecimento de que ele os torturou. Querer chamar isso de revanchismo é evidentemente uma manobra de despiste. Acho que foi uma coisa muito positiva, muito importante.

Fonte: Brasil de Fato (Tatiana Merlinoda Redação)

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

De como não se deve fazer uma entrevista

“Isso tem nome e sobrenome: incompetência jornalística, manipulação, irresponsabilidade, má fé ou qualquer adjetivação que se queira fazer para demonstrar a irritação contra uma entrevista que, no mínimo, coloca em dúvida todo um trabalho coletivo dos profissionais da Folha”,

Por Said Barbosa Dib*

A elaboração, investigação ou edição de uma notícia de forma dirigida, parcial ou preconcebida, para atender a determinados objetivos e interesses de repórteres e jornais, é algo já bastante estudado e debatido. Há mesmo quem afirme que entre os grandes veículos, antes que uma falha individual de conduta ética por parte do repórter, isso é uma prática não só normal, mas imprescindível para o funcionamento das redações e editorias. Quem é da área, sabe do que estou falando. É a velha e eficiente manipulação, o que os próprios profissionais da imprensa chamam de “plantar notícias”, ou seja, determinadas informações não necessariamente verdadeiras, propositadamente publicadas para serem desmentidas depois ou, pelo menos, comentadas, quando o estrago já foi feito. A notícia “plantada” não segue a tramitação normal de apuração. É forjada na própria redação do órgão de imprensa, para provocar questionamentos que propiciem novas informações jornalísticas importantes. Uma espécie de catalisador noticioso.

A despeito da questão ética que uma coisa dessas implica ou da discussão sobre a influência do “quarto poder” na vida política e coisas do gênero ( assuntos já analisados à exaustão ), o que merece uma reflexão agora é quando, curiosa e comicamente, isso tudo é feito de uma forma desastrada e incompetente, como foi o caso da “entrevista” assinada pela jornalista da “Folha”, Eliana Cantanhêde, com o Presidente em exercício do Senado, Edison Lobão ( PFL- MA ), no dia 22 de Julho último. Entrevista pobre, mal planejada, mal realizada, tendenciosa e que não soube aproveitar a importância, a disponibilidade, a boa vontade e a inteligência do entrevistado. Uma coisa é ser perigosamente mal intencionado, outra, mais grave ainda, é ser um mal intencionado incompetente.

A trapalhada, assassinando os conselhos da maioria dos principais manuais de redação e estilo e os cânones da boa imprensa, já se revelava na abertura ( lead ou “cabeça”) capciosa e leviana da matéria, onde lemos a preciosidade em negrito: “Aliança no escuro”. Escuro, por definição, já conota algo espúrio, ilegal, proibido, portanto, expressando juízo de valor por parte da entrevistadora que não justifica as informações dadas pelo entrevistado ao longo do texto. Começar um lead com um comentário ou interpretação e só identificar a fonte e as declarações exatas do entrevistado nos parágrafos subseqüentes é, no mínimo, mau jornalismo, pois o leitor que se limita a ler as primeiras linhas pode imaginar que é do entrevistado o que foi expresso na abertura.

Imediatamente em seguida, mas ainda na chamada, temos o destaque em itálico, onde se lê: “Presidente interino do Senado diz que nome de peemedebista ´agrada a todos’.... Incompetentemente, a jornalista não informa ainda que o “peemedebista” é Sarney, deixando isso apenas para depois. E continua a frase dizendo ... e que ´clima é de terror ` na Casa, colocando a afirmativa de uma forma tal que faz crer ao leitor desatento que aquela proposição inteira, colocada maliciosamente de uma forma ininterrupta, com meia aspas intercaladas estrategicamente, seria uma representação integral, acabada e perfeita da opinião do senador maranhense. Percebam, também, que ela não informa em que contexto essas afirmações foram feitas pelo entrevistado, sonegando ao leitor a perfeita compreensão do fato.

Logo em seguida, na introdução, falando sobre o entrevistado, ela afirma: “Com pouca visibilidade nacional, mas longa experiência política, o presidente interino do Senado, Edison Lobão, 64, não faz questão de esconder: se o senador Jader Barbalho não reassumir o cargo após a licença de 60 dias, o melhor substituto será José Sarney, que tem “densidade e envergadura”. Percebam que a partir dos dois pontos é colocada uma afirmativa atribuída ao entrevistado mas sem estar entre aspas. As aspas só foram usadas nas três palavras finais. Depois de ler toda a entrevista, curiosamente, verificamos que o contexto em que a declaração do senador foi feita no diálogo, não avalizava em absoluto a proposição forçada feita pela repórter, como qualquer pessoa pode constatar nos dois últimos diálogos, quando o nome Sarney não havia sido citado ainda em toda a entrevista , onde se lia literalmente:

Folha – Se o Jader não voltar, o PFL vai disputar a vaga com o PMDB?

Lobão – Não vai, não. Se ele não voltar, convoco nova eleição em cinco dias. A tradição é que o presidente seja do maior partido e, portanto, o cargo é do PMDB. Eu sou a favor da ordem, da tradição, senão sai tudo do eixo.

Folha – O sr. fala isso porque o seu candidato é o ex-presidente José Sarney?

Lobão - O presidente Sarney é um nome que agrada a todos, pela densidade, pela envergadura, mas não sou eu quem vou indicar o candidato do PMDB, hein? Olha lá, eu não vou repetir o erro do ACM (que era contra a eleição do Jader)

Vejamos o que qualquer símio mais atento pode perceber: Quando a jornalista perguntou pelo Sarney, fez isso induzindo a resposta por saber da natural fidelidade de Lobão para com o amigo, tentando tirar a fórceps um fato político: “O senhor fala isso (apoio óbvio de Lobão a um candidato do PMDB, como reza a tradição no Congresso) porque o seu candidato é o ex-presidente Sarney? Lobão não teve outra saída e somente aí respondeu: “O presidente Sarney é um nome que agrada a todos, pela densidade, pela envergadura, mas não sou eu quem vou indicar”. Estas declarações, portanto, não foram declarações propriamente ditas, como o lead fazia crer, mas respostas à insistência da jornalista em comprometer o senador, com uma pauta que partia de um silogismo falacioso, simplista e desonesto com o leitor, para criar um fato noticioso, se promover, vender jornais e detonar a integridade de um político:

Premissa maior: Todo político que estiver sentado na Presidência do Senado depois de ACM e Jader é, por definição, corrupto ( contanto que venda jornais)

Premissa menor: Lobão é o presidente em exercício do Senado

Conclusão: Logo, Lobão é corrupto ( mesmo que não tenhamos nada contra ele, vamos cair matando!)

Portanto, o que seria o diálogo que confirmaria a afirmação expressa na chamada da reportagem, somente foi feita quando a entrevista já estava no fim, num momento em que o entrevistado foi, sorrateiramente, pego de surpresa e, mesmo assim, em momento nenhum afirmou o que a repórter disse que ele afirmou. Isso é mais um discurso político do que o trabalho de quem tem a obrigação ético-profissional de informar os fatos aos leitores.

Relendo o que lemos ainda na abertura, depois do “Aliança no escuro”, em bold e “clima de terror”, em itálico, não satisfeita com tanta “criatividade”, insensível para com a indução imposta a seus leitores e invertendo as coisas, aí sim, era colocado em negrito, caixa alta e tudo que tinha direito, a seguinte chamada: “Lobão lança Sarney e teme ser bola da vez”. A “criativa” repórter não teve a hombridade de avisar ao leitor que essa afirmativa feita com tanto destaque não existiu nos diálogos que o próprio jornal publicou, como podemos verificar a seguir:

Folha - Depois de ACM e Jader, o sr. teme ser a bola da vez?

Lobão – Deus me livre! O Jader falou isso há uns três dias, e eu nem durmo mais. Sabe que eu nem sentei na cadeira? Vou ficar no gabinete de vice, para ver se me esquecem (claro e educado recado à provocação inconveniente da repórter).

De duas, uma: ou a senhora Eliana é uma completa alienada sem “desconfiômetro”, não percebendo o claro tom brincalhão do senador diante de uma pergunta tão imbecil e agressiva, pois, se respondida positivamente, por definição, implicaria na situação ridícula de Lobão se incriminar; ou é, mesmo, como tudo indica, uma jornalista sem a menor ética jornalística.

O comentário do entrevistado foi em resposta a uma indagação provocativa , quando o senador foi inquirido se não temia ser a “bola da vez”, como lemos no diálogo transcrito acima. Algo totalmente diferente da proposição absoluta e fechada da chamada que dava a impressão ao leitor apressado a certeza irrevogável de que o senador Lobão tinha declarado aquilo espontaneamente, sem qualquer intervenção da criatividade noticiosa da jornalista em um contexto específico. Confesso que, para mim, leitor assíduo e relativamente atento, chato mesmo, num primeiro momento aquilo soou como um fato, uma opinião de um eminente senador que ocupa um cargo extremamente importante para a República e que tinha algo a declarar à Nação, não o comentário de um entrevistado que, provocado por perguntas obviamente estabelecidas a priori e com o intuito de se “plantar” um fato noticioso, tivesse ainda a educação e a tolerância em responder à insistência de uma repórter aparentemente iniciante que, pelo nível apresentado, é quase uma estagiária. Imaginemos então, aquela grande parcela da população que quase sempre só tem tempo para ler as chamadas e os leads das manchetes? Com certeza, todos eles viram aquilo como um fato. Isso tem nome e sobrenome: incompetência jornalística, manipulação, irresponsabilidade, má fé ou qualquer adjetivação que se queira fazer para demonstrar a irritação contra uma entrevista que, no mínimo, coloca em dúvida todo um trabalho coletivo dos profissionais da “Folha”, um verdadeiro desrespeito àquela instituição, mas, principalmente, à inteligência e cidadania dos seus leitores.

Ao ler finalmente a “entrevista” propriamente dita, sentimos que o nobre senador, homem educado e atencioso com a mídia, com larga experiência tanto como jornalista como congressista, uma das dez figuras mais importantes e influentes do Congresso, logo percebeu as limitações profissionais e as más intenções da entrevistadora. Mesmo agredido com perguntas desonestas e covardes, teve a delicadeza de respondê-las todas.

Se realmente a jornalista tinha informações que comprometessem o político Lobão que justificasse a indagação se ele seria “a bola da vez”, porque não as revelou para a sociedade antes dele se tornar Presidente do Senado? Porque sonegou informações ao País? Que tipo de jornalismo é esse? Respondo: Por que a falta de ética não é uma prerrogativa de alguns políticos, mas ela grassa também entre alguns membros da mídia, maus profissionais que prejudicam a credibilidade dos jornais e dos colegas. Também por que esses maus jornalistas gostam mesmo é de políticos deseducados, agressivos e pedantes como ACM, não pessoas normais como Lobão. “Valorizam” aqueles que são arrogantes como eles. Não daquela arrogância de quem sabe das próprias forças e limites, mas a arrogância cínica e imprudente de meã sem relevo que coloca em risco a credibilidade da própria instituição em que trabalha.

O senador errou, portando, quando, confiando num mínimo de caráter da jornalista, levou a coisa na brincadeira e ironia, pois não esperava que a entrevista era, na verdade, uma armadilha, um “factóide” preparado pela senhora Cacanhêde. Errou porque confiou no credibilidade de uma repórter menor. Provavelmente, tinha coisas mais importantes para se preocupar e outros jornalistas mais profissionais para atender.

*Said Barbosa Dib é professor de História em Brasília

sábado, 1 de setembro de 2007

Agora os burgueses estão contra o automóvel!

Carro não é mais um privilégio das dondocas

Por Lelê Teles*

Estou ouvindo negro Drama dos Racionais, quer mais?

Eu estudei numa universidade federal, UnB, e sempre vi que os filhos da elite quando passavam no vestibular ganhavam um carro, veja você. Perturbava-me muito o fato de que numa universidade, onde os calouros tinham 17, 18 anos, os estacionamentos eram lotados! O carro sempre foi um instrumento de poder e status da burguesia. Muitos anúncios publicitários, aqui e alhures, faziam e fazem referência ao vestibular aludindo `a anedota de que o garoto vai ganhar um carro zero por ter passado no vestiba, além de raspar a cabeça (detalhe).

Lembro-me de um texto de um articulista de Carta Capital, com um nome eslavo muito complicado, que dizia que o playboy-tira-onda, e assassino, que vemos no trânsito é fruto de nossa mentalidade doente. O automóvel, quando era um bem dos muito privilegiados, servia como joguete para os burgueses afrontarem quem caminhava pelas avenidas, antes feitas para os cavalos e os pedestres. Os que tinham carro passaram, então, a jogá-los contra os que “invadiam” as ruas. E até hoje é assim. Pois bem.

Acabo de ler um artigo no blog do Noblat, esse feiticeiro, uma crítica ao automóvel! Ora, direis, ouvir estrelas? O texto é assinado por uma pós-doutora em engenharia química - a velha fórmula subdesenvolvida do especialista que fala porque tem PHD e pedigree - faço uma ressalva para dizer que o melhor presidente que este país já teve é semi-analfabeto! E o que dizia esse artigo, veja uns trechos muito significativos: “Ela chama (cita Noblat) a atenção para o caso da produção de aço em seu estado (MS), que majoritariamente se destina à produção automotiva, denunciado (sic) a relação entre o consumo de recursos naturais para produção do aço, o ‘sucesso’ da indústria automobilística e o papel do governo brasileiro nessa tragédia do desmatamento, mostrando que o tipo de crescimento viabilizado econômica e politicamente pelo Estado é a mãe da maioria das tragédias nacionais”.

Quer saber porque ela formulou esse eloqüente diagnóstico? Porque, no Brasil, os pobres, ou quase isso, estão podendo comprar automóvel! O fato de o Brasil está vendendo muitos automóveis não é sinal de desenvolvimento, é sinal de atraso, diz a doutora, em seu laptop acoplado ao seu carrão! Mas eu li, em todos os jornalões, a alegoria de que a China mostrava para o mundo que crescia com vigor porque a imagem das anacrônicas bicicletas estavam sendo substituídas por automóveis! Então o automóvel na China é sinal de progresso, no Brasil do monoglota Lula da Silva é exatamente o contrário?

Na semana passada, um editorial do Jornal de Brasília (como escrevem mal e porcamente os nossos editorialistas) contava uma expressiva anedota: O editorialista estava em um bar e chegou um vendedor de amendoim, passou pelas mesas, vendeu e depois “abriu o porta-malas de seu Celta zerinho” e depositou ali os amendoins e seguiu para outro bar. A cena fez o “filósofo” pensar nos engarrafamentos, veja você, e que tem automóveis demais nas ruas, “até um comprador de amendoim já tem um carro”, disse o escriba espantado. Ele então propôs que o governo investisse mais em transporte público! Ou seja, enquanto ele e os amiguinhos dele estavam indo e vindo de automóvel os engarrafamentos eram suportáveis, mas que um vendedor de amendoim tivesse carro e parasse ao lado dele em um engarrafamento já era demais.

Não querendo admitir preconceito social, agora inventaram preocupação ambiental. Que se dane que no mundo inteiro vendam toneladas e zilhões de automóveis, no Brasil, carro vendido pra pobre polui e desmata. Acompanhe o raciocínio da pós-doutora: “Todos os dias, são derrubadas mais de 120.000 árvores da floresta amazônica para sustentar os fornos do pólo siderúrgico de Carajás (para produzir automóveis), situado no sul do estado do Pará. Por isso, aquela região é conhecida como o Arco do Desmatamento da Amazônia, que inclui também o sul do estado do Maranhão, e onde está ocorrendo a maior devastação da floresta amazônica”. E ela escreveu esse monstrengo no jornal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência! Ou seja, o carro dela, do filho dela que passou no vestiba e o carro dos amiguinhos dela nunca devastaram nada, mas agora que Lula inventou de vender carro zero pra vendedor de amendoim...

Quando Collor abriu o mercado brasileiro para chicletes e carrões importados todos aplaudiram, agora que os carros 1.0 começaram a ser vendidos a rodo a sociedade quer metrô, trem e ônibus de qualidade, senão a empregada chega de carro e joga por terra o status da dondoca motorizada. O povo passou a comer melhor, daqui a pouco aparecerá uma pós-doutora ambientalista perguntando se vamos permitir desmatar o Brasil para produzir comida pra essa gente desdentada. Diabos, por que a gente não tem um Voltaire?

*Lelê Teles é publicitário e escritor