segunda-feira, 23 de junho de 2008

Por que estar na mídia

“Falem mal, mas falem de mim” é uma dessas frases que estão na boca de muita gente, mas que ninguém sabe a autoria. E quem nunca a usou na vida? Que atire então a primeira pedra. No entanto, esse jargão no competitivo mercado das corporações e no mundo das disputas políticas não tem vez. Ou falem bem ou de preferência não falem de nós. É mais ou menos assim que funciona a lógica corporativa.

Conforme Graça Monteiro, no artigo Por que estar na mídia, cujo texto compõe o livro de Jorge Duarte, Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia, “há momentos em que interessa à instituição ser notícia e há outros que não”. Mas por quê? Porque estar na mídia e ser abordado de forma positiva passa a ser uma estratégia de fortalecimento da imagem da instituição frente à opinião pública.

Num aspecto político, ninguém ou nenhuma instituição pretende virar notícia nas páginas policiais, ou muito menos nas editorias de política com envolvimento em escândalos; pois tal fato pode levar um político ao fracasso ou uma empresa à falência. Exemplos não faltam. Como os famosos casos da escola Base e do então deputado Ibsen Pinheiro, que foram a bancarrota injustamente e nunca tiveram as denúncias comprovadas.

Por outro lado, há controvérsias quanto à força da mídia na imposição de pessoas ao esquecimento e ao infortúnio. O caso do ex-presidente que voltou a arena política talvez seja o mais sintomático. Contudo, não se pode dizer que episódios dessa natureza são via de regra. Normalmente, uma imagem negativa estampada nos jornais pode ser mais nociva do que benéfica.

Em todo caso, verifica-se que da mesma forma que a mídia pode arrasar com uma pessoa ou instituição, pode lhes dar um enorme prestígio. Desde que a imagem esteja estrategicamente adequada.

No caso das empresas privadas, que têm a obrigação de lidar periodicamente com o lucro, construir uma boa relação com a opinião pública é fundamental para a manutenção de seus clientes, além de conquistar novos. Isso porque o grupo de consumidores que levam em consideração a reputação da empresa é cada vez maior. Por conta disso, muitas instituições fazem marketing enfocando projetos de responsabilidade social e / ou ambiental. Há quem diga que muitos desses programas não passam de puro bom-mocismo, somente para captar mais clientes. Em todo caso, seja lá qual for o real interesse dessas instituições com essas campanhas, de fato parece funcionar. Afinal, elas investem milhões. Sinal de que ao menos estão realmente preocupadas com a constante manutenção de signos positivos na cabeça das pessoas.

O Instituto Ethos, que lida com responsabilidade social, tem 1.384 empresas associadas conforme uma lista atualizada no dia 16/06/2008 e divulgada em seu site. Desse total, a maior parte são empresas de grande porte (32,95%). São Paulo é o reduto de quase 55% dessas empresas.

Um levantamento realizado em 1993 pelo Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e mencionado por Graça Monteiro, conforme Duarte (2001, p. 18), revela que “metade dos 25 mil jornalistas brasileiros estava de alguma maneira relacionada com atividades de assessoria de imprensa ou similares”. Em um outro levantamento um pouco mais recente feito pelo Sindicato de Jornalistas de São Paulo, de acordo com Brandão (2001, p. 50) citado por Monteiro, “em 1999, a quantidade das chamadas ‘assessorias de comunicação’ chegava a 700, no País, e cerca de 500 somente no estado de São Paulo”. Pode-se inferir disso que as empresas estão, cada vez mais, preocupadas em construir uma boa imagem no senso comum e para isso estão utilizando cada vez mais os serviços das assessorias de comunicação.

Graça Monteiro lembra que, pelo fato de os informes publicitários serem pagos, podem ser interpretados “como um lugar em que a instituição só diz o que lhe convém”. Por outro lado, ressalta que, como a notícia e a reportagem são gratuitas e tendam para a imparcialidade, “aumenta a credibilidade do que é dito sobre a instituição”.

Eis que, atuar estrategicamente visando sempre a inserção dos assessorados nesses dois aspectos do jornalismo, instituições e pessoas podem alcançar êxito com suas imagens tratadas de forma positiva no imaginário popular. Para tanto, é fundamental que estejam municiados de bons argumentos e que estejam afinados com fatos realmente relevantes à sociedade. Seja, por exemplo, na linha de frente no combate as mazelas, ou numa inovação que traga algum tipo de bem estar social.

sábado, 14 de junho de 2008

Medicamentos para o alcoolismo


"A crença de que a cura do alcoolismo era questão de vontade impediu avanços na área"


Por Drauzio Varella


ÀS SETE da manhã, o homem encostou no balcão da padaria com as mãos trêmulas e a barba por fazer. O balconista serviu um copo americano com pinga até o friso superior. Ele se debruçou sobre a bebida e deu o primeiro gole sem usar as mãos. Pouco depois, tremendo menos, conseguiu segurar o copo e tomar o resto.

Em seguida, começou a transpirar, abriu o colarinho e fez uma série de inspirações profundas que não lhe trouxeram alívio. Ao contrário, o rosto ficou congesto, com as veias saltadas, vermelho como pimentão.

Vou morrer, disse para o balconista atônito que, em segundos, lhe preparou um copo de água com açúcar. Agitado, saiu para a calçada em busca de ar, com o rosto em chamas. Duas senhoras que compravam pão foram atrás. Insistiram que tomasse a água açucarada, enquanto o abanavam com um xale preto.

Lembro como se fosse ontem, dessa cena que presenciei aos 14 anos.No dia seguinte, a vizinhança comentava que a esposa havia colocado na sopa do marido o remédio causador da sensação de morte iminente na padaria.

Durante muitos anos, o único recurso farmacológico para o alcoolismo foi essa droga traiçoeira: o dissulfiram, conhecido popularmente como Antabuse.

No mesmo período em que a medicina desenvolveu antibióticos, medicamentos para controlar hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e tantas outras, a crença ridícula de que a cura do alcoolismo era simples questão de força de vontade impediu qualquer avanço nessa área.

Tanto é verdade que os Alcoólicos Anônimos representavam a única esperança para os que desejavam livrar-se do álcool. Situação humilhante para os médicos: um grupo de auto-ajuda conseguir fazer muito mais do que a medicina inteira.
Tal panorama começou a mudar apenas nos anos 90, quando estudos clínicos e inquéritos epidemiológicos permitiram dividir os dependentes em dois grupos principais.

O primeiro é representado pelos que experimentam grande excitação ao beber. São aqueles que nas festas estudantis riem, fazem algazarra e se apropriam da palavra. O álcool os torna eufóricos, seguros de si. Costumam apresentar problemas causados pelo uso excessivo já aos 20 ou 30 anos. Em suas famílias geralmente há outros casos de alcoolismo.
No segundo, estão incluídos os ansiosos que bebem com a finalidade de aliviar o estresse e a ansiedade. Geralmente, começam a beber com moderação a partir dos 30 ou 40 anos e só apresentarão as complicações características do uso excessivo mais tardiamente.

Como resultado de intenso trabalho com animais de laboratório, em 1994 foi aprovado o segundo medicamento para o tratamento do alcoolismo: a naltrexona, droga que bloqueia no cérebro os receptores opióides existentes nos neurônios responsáveis pelos efeitos euforizantes do álcool.

A terceira droga aprovada, o acamprosato, bloqueia a liberação de um neurotransmissor (glutamato), produzido em quantidades excessivas pela exposição continuada a doses altas de álcool. Embora reduza a intensidade dos sintomas da crise de abstinência, os resultados do acamprosato têm sido contraditórios.

Nos últimos anos, a compreensão dos mecanismos moleculares que levam à liberação dos neurotransmissores envolvidos nas sensações de prazer, euforia, agressividade e dependência química associadas ao álcool, possibilitou a descoberta de novos tratamentos.

Em estudo publicado em 2003, na revista "The Lancet", o topiramato, usado em casos de epilepsia, enxaqueca e distúrbios alimentares, demonstrou ser capaz de reduzir o número de drinques diários e de aumentar os dias de abstinência.

No ano passado, foi demonstrado que a vareniclina, droga de aprovação recente para os que decidem livrar-se do cigarro, reduz a sofreguidão por bebidas alcoólicas em ratos tornados dependentes. É provável que tenha efeito semelhante em seres humanos.

Ao lado dessas drogas que usam como alvo os neurotransmissores, têm ocorrido avanços significativos no estudo de outras que interferem com o mecanismo de estresse, responsável pelo abuso nos mais ansiosos.

É provável que nos próximos cinco a dez anos possamos oferecer aos que fazem uso nocivo do álcool, remédios eficazes que os ajudem a livrar-se da dependência. Talvez até surjam medicamentos que lhes realize o sonho de experimentar o prazer de um copo de vinho ou de um chope com os amigos, sem correr o risco de beber até cair na sarjeta.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Viver mais sem comer menos


Ao diminuir o aproveitamento energético das mitocôndrias, cientistas da USP criam estratégia que reproduz efeitos das dietas de baixas calorias, aumentando longevidade. Estudo foi publicado na revista Aging Cell (Foto: NSF)

Fonte: Agência Fapesp


Na década de 1930, cientistas demonstraram que uma dieta com poucas calorias retardava o envelhecimento, aumentando a longevidade dos animais. Agora, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) conseguiram promover em camundongos os mesmos efeitos benéficos da dieta de restrição calórica sem precisar diminuir a quantidade de alimento.


A estratégia consistiu em tratar os animais com uma droga que diminui o aproveitamento energético das mitocôndrias. Além de aumentar em cerca de 10% a longevidade, o tratamento reduziu os índices ligados à síndrome metabólica – o conjunto de fatores de risco cardiovascular que inclui diabetes, hipertensão arterial, distúrbios lipídicos e obesidade.


O estudo, coordenado por Alicia Kowaltowski, professora do Departamento de Bioquímica da USP, foi publicado no site e em breve sairá na edição impressa da revista Aging Cell.


A mitocôndria é uma organela celular que, com o uso do oxigênio da respiração, converte a energia dos alimentos em energia química, ou trifosfato de adenosina (ATP), vital às atividades celulares.


De acordo com Alicia, a estratégia utilizada se baseou no mecanismo conhecido como desacoplamento mitocondrial. “O desacoplamento consiste em diminuir a síntese de ATP mantendo a mesma quantidade de alimento”, disse à Agência FAPESP. O estudo tem apoio da FAPESP na modalidade Projeto Temático.


Segundo a cientista, para sintetizar o ATP, a mitocôndria gera um gradiente de prótons – isto é, fica mais positiva do lado de fora do que em seu interior. Esse gradiente serve como fonte de energia para a síntese de ATP.


“A droga que utilizamos, o dinitrofenol, diminui esse gradiente de prótons, deixando que alguns deles voltem para dentro da mitocôndria sem que haja síntese de ATP”, explicou.


O dinitrofenol é conhecido há muito tempo e, na década de 1930, já era utilizado como droga para o emagrecimento. Mas, apesar de eficaz, seu uso causava controvérsias, uma vez que a dose terapêutica estava muito próxima da dose tóxica.


“O que fizemos foi utilizar o dinitrofenol em uma dose muito menor para mostrar que a diminuição do aproveitamento de energia da mitocôntria é capaz de prevenir os efeitos do envelhecimento”, afirmou Alicia.


O estudo teve participação da professora Marisa Medeiros e das estudantes Camille Caldeira da Silva, Fernanda Cerqueira e Lívea Barbosa, que realizaram os experimentos.


Segundo Alicia, o grupo já havia realizado um estudo semelhante, em 2004, em um modelo de envelhecimento de leveduras. “A partir daquele estudo em células in vitro resolvemos testar a estratégia em animais”, disse.


O objetivo da pesquisa foi mimetizar os efeitos de uma dieta de restrição de calorias para diminuir o aproveitamento energético, mas sem reduzir a quantidade de comida ingerida.


“Assim como os humanos, os camundongos tendem a engordar quando envelhecem. Os que foram tratados com o dinitrofenol, no entanto, ganharam menos peso à medida que envelheciam, apesar de comerem a mesma quantidade do que os outros”, afirmou.


O ganho de peso, segundo a pesquisadora, está associado ao aumento dos níveis de glicemia, triglicérides e insulina, características da síndrome metabólica. “Nos camundongos submetidos à estratégia todos esses indicadores estavam diminuídos.”


Lesões por radicais livres

Segundo a professora do Departamento de Bioquímica da USP, o estudo não pretende sugerir o dinitrofenol como opção terapêutica, devido a seus efeitos tóxicos. “A idéia foi demonstrar que a manipulação das funções da mitocôndria é muito eficaz para controlar o envelhecimento e o ganho de peso”, disse.


O estudo demonstrou também que a estratégia é eficiente para diminuir as lesões provocadas por radicais livres – outra das causas do envelhecimento.


“À medida que envelhecemos, acumulamos lesões por radicais livres nas moléculas. Sabemos que a restrição calórica diminui a geração de radicais livres na mitocôndria, diminuindo também essas lesões. Comprovamos que o tratamento com o dinitrofenol também é eficiente para diminuí-las, configurando uma estratégia antioxidante muito mais eficaz que o uso de vitaminas, por exemplo”, disse.


Um dos objetivos do grupo, a partir de agora, é modificar o dinitrofenol para gerar novas drogas que possam ser utilizadas para o desacoplamento mitocondrial.


“Outra possibilidade é ativar vias naturais de desacoplamento presente nas mitocôndrias, como os canais para potássio, ou certas proteínas desacopladoras. Uma droga que ativasse essas vias seria muito interessante para promover, sem depender de nenhuma proteína, os efeitos que conseguimos produzir quimicamente”, destacou.


Alicia salienta que a FAPESP acaba de aprovar novo pedido de bolsa de pós-doutorado para o Projeto Temático que coordena, de modo a dar continuidade a essa linha de pesquisa. “Estou selecionando candidatos. Além de continuar essa pesquisa aplicada, com fins farmacêuticos, queremos estudar os mecanismos e os processos celulares envolvidos no envelhecimento”, disse.


Para ler o artigo Mild mitochondrial uncoupling in mice affects energy metabolism, redox balance and longevity, de Alicia Kowaltowski e outros, publicado na Aging Cell, clique aqui

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Direitos humanos e cidadania GLBT


"A sociedade que nos mata é a mesma que nos leva para a cama"

*Raquel Teixeira

"Nem menos nem mais; direitos iguais." Com voz de comando, Toni Reis, presidente do grupo Dignidade e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT), liderou um coral de mais de 1.000 vozes, com as pessoas de pé, repetindo o refrão acima. Essas palavras expressam o espírito que reinou na Primeira Conferência Nacional GLBT, que se realizou em Brasília, de 5 a 8 de junho.

Primeira iniciativa governamental do gênero no mundo, convocada por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a abertura da Conferência foi prestigiada pelo próprio presidente, acompanhado da primeira-dama, de seis ministros e do advogado-geral da União, além de observadores de 14 países. Além do espírito de "direitos iguais", o outro espírito prevalecente era o da emoção. Emoção profunda, que fez vários dos presentes chorarem, diante do momento, histórico, de resgate e de respeito à diversidade e à democracia.

2008 é o ano em que se comemoram os 120 anos da Abolição da Escravatura, os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos e os 30 anos do movimento pelos direitos homossexuais no Brasil. Desde aquele tempo em Paris, quando o mundo, horrorizado com as atrocidades da guerra e do nazismo, resolveu fazer uma declaração universal dos direitos humanos, avançamos muito. Judeus, ciganos, índios, negros, crianças, mulheres, homossexuais, pessoas com deficiência, todos, em maior ou menor escala, alvos de preconceito, fazem parte do mesmo conjunto de cidadãos e cidadãs que a parte da sociedade, ainda machista, sexista, racista, homofóbica e intolerante insiste em querer discriminar.

Mas quando um presidente da República convoca uma Conferência Nacional e prestigia sua abertura, alguma coisa está mudando. Quando um ministro de Estado, Paulo Vannuchi, lembra Sócrates, Leonardo da Vinci, Oscar Wilde, Proust e Lorca como precursores do movimento do direito à livre orientação sexual, e outro ministro, José Temporão, anuncia a inclusão de cirurgia de mudança de sexo no pacote do Sistema Único de Saúde (SUS), alguma coisa realmente está mudando.

Mas ainda é pouco. E insuficiente. O mesmo país que faz uma Conferência GLBT é o país que a cada três dias assassina um cidadão GLBT. É o país que algema, humilha e prende um sargento do Exército que se declarou gay. O sargento Laci está doente, com depressão crônica, estresse traumático e esclerose múltipla, mas sendo tratado com desrespeito. Essa é a contradição. Explicada de maneira singela, ao mesmo tempo profunda, pela travesti Fernanda Benvenuty, aplaudida de pé: "A sociedade que nos mata é a mesma que nos leva para a cama." Não foi por outra razão que o presidente Lula disse que ainda vai criar o Dia Nacional de Combate à Hipocrisia.

Mas o que os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais realmente querem, perguntam alguns? Querem ser tratados como cidadãos e cidadãs com plenos direitos. Só isso. Na hora de votar ou de pagar tributos, ninguém pergunta qual é a orientação sexual e, nesse momento, são todos homens e mulheres no pleno exercício da sua cidadania. Mas na hora de receber os benefícios dos direitos humanos mais fundamentais, estes lhes são negados. Eles querem a união civil entre pessoas do mesmo sexo, querem poder adotar filhos, doar sangue e prestar serviço militar. Querem ser felizes. Ora, uma vez atingida a idade adulta, não há lei que possa proibir o livre exercício da sexualidade. Tentar fazer isso é cercear o direito de livre expressão, é ferir a autonomia e a dignidade dessas pessoas, é dificultar-lhes o acesso à saúde, ao trabalho, ao lazer. Porque conhecem como ninguém a força do preconceito, eles querem um Plano Nacional de Combate à Homofobia. Querem a criminalização da homofobia, como existe a criminalização do preconceito racial, por exemplo.

Talvez o maior desafio do século 21 seja aprender a conviver respeitosa e democraticamente com os diferentes. A Conferência Nacional é um avanço nesse sentido, fruto da sensibilidade do ministro Paulo Vannuchi e do presidente Lula. Mas ela é, acima de tudo, fruto da coragem, da capacidade de enfrentamento, das lágrimas e do sacrifício de muitos que viveram a humilhação, a tortura e a morte para inspirar outros, GLBT ou não, a assumirem sem medo nem hipocrisia a luta por uma sociedade sem preconceitos, sem violência, livre, solidária, onde cada um possa construir seu caminho para a felicidade.

À Negra Cris, ao Toni Reis e à Fernanda Benvenuty, que arrasaram na abertura da Conferência, minha admiração pela coragem e meu compromisso de defesa das causas que representam.

*Deputada federal PSDB (GO)

domingo, 8 de junho de 2008

A velocidade como fetiche


Por Silter


No capítulo A velocidade como fetiche, do livro Jornalismo em tempo real, de Sylvia Moretzsohn, a autora procura argumentos que sustentam críticas ao modelo de publicação on line na imprensa digital. Para tanto, Moretzsohn aborda a notícia como produto e esse produto como “fetiche mercadológico”.


Segundo a abordagem de Moretzsohn, o “fetichismo da mercadoria” implica no desconhecimento de causa, pelo leitor em geral, no processo em que se dá a formulação da notícia. É como se este produto – a informação – fosse capaz de existir por ele mesmo. Subentende-se então, que a leitura de uma notícia pelo grande público quando divulgada por um veículo de comunicação é feita quase da mesma forma que um ato de fé, ou seja, como se ali estivesse a pura verdade e não uma versão da realidade. Assim esses leitores ignoram que esta informação é um ponto de vista de alguém, que trabalha para uma instituição, e que ambos têm interesses diversos à cerca desse produto.


Segundo Marx, em O Capital, citado por Moretzsohn, o “fetichismo da mercadoria” é “o processo através do qual os bens produzidos pelo homem, uma vez postos no mercado, parecem existir por si, como se ganhassem vida própria, escondendo a relação social que lhes deram origem”. Sylvia explica que esse fetichismo mercadológico aparece como uma “fantasmagórica relação entre coisas”, como se fossem naturais, neutralizando a capacidade humana de perceber o processo de como foram produzidas essas informações.


A velocidade instantânea da notícia, em “tempo real”, nem sempre foi via de regra no jornalismo. A partir do início da década de 90, quando surgem os primeiros sites de notícias no Brasil, essa intantaneidade na informação passa a ser uma prioridade. Para Sylvia, essa mesma velocidade tem um viés ideológico que ajuda a vender a informação. Existe toda uma lógica de que “chegar na frente” é mais importante do que “dizer a verdade”. De acordo com essa lógica, Negri, citado por Sylvia, justifica: “a informação só tem valor pela rapidez de sua difusão, ou melhor, a velocidade é a própria informação”.


Mas toda essa lógica empregada no jornalismo implica em alguns equívocos. A pressa geralmente incorre em informações mal apuradas e textos superficiais. Sylvia lembra o caso jocoso de Mark Twain que leu a própria morte na Associated Press. “A notícia sobre a minha morte foi muito exagerada”, ironizou Twain quando comunicou à agência. Contudo, as precipitações são uma constante em nosso jornalismo. Vê-se pelo caso da balsa que virou em Manaus. Todo dia tem uma informação diferente sobre a quantidade de mortos.


Quanto à superficialidade, hoje (6), ao ler uma notícia em um site de Rondônia, percebi que faltava uma informação elementar no texto que divulgava a condenação de um ex-prefeito do estado. Segundo o site, o homem foi condenado a 16 anos de prisão, mas nada dizia se ele podia ou não recorrer da decisão. Nem ao menos dizia quem o havia condenado.


Em todo caso, Sylvia lembra que há diferença conforme o tipo de veículo. Se impresso ou on line, por exemplo. E mesmo entre aqueles que figuram somente na Internet existe diferenças. Se superficial será acessado por leitores com pouca capacidade para a crítica. Se mais abrangente, aprofundando as idéias, será lido, evidentemente, por pessoas mais críticas, que procuram uma informação mais completa. Isso reflete na credibilidade do meio.


De toda forma, essa lógica do tempo real está presente em praticamente todos os veículos on line. E isso, ressalta Sylvia, afeta a prática do jornalismo como um todo, “radicalizando a corrida contra o tempo”. De acordo com Sérgio Augusto, citado por Sylvia, “cada vez mais o jornal é um produto que, antes de ser bom, precisa ser rápido para chegar mais cedo que os concorrentes às mãos do leitor”.


Schudson, mencionado por Sylvia, acha que o estado de pressa existente nas redações não é somente para fornecer ao leitor uma informação mais rápida. Segundo ele, “antes de se preocuparem com seu público, preocupam-se (os jornais) com os concorrentes”.


Se essa lógica de quem dá a notícia primeiro fosse alterada para a lógica de quem desse a notícia melhor, o jornalismo sem dúvida sairia ganhando. E quem, na verdade, mais lucraria com isso era o cidadão brasileiro e o estado democrático de direito.