domingo, 8 de junho de 2008

A velocidade como fetiche


Por Silter


No capítulo A velocidade como fetiche, do livro Jornalismo em tempo real, de Sylvia Moretzsohn, a autora procura argumentos que sustentam críticas ao modelo de publicação on line na imprensa digital. Para tanto, Moretzsohn aborda a notícia como produto e esse produto como “fetiche mercadológico”.


Segundo a abordagem de Moretzsohn, o “fetichismo da mercadoria” implica no desconhecimento de causa, pelo leitor em geral, no processo em que se dá a formulação da notícia. É como se este produto – a informação – fosse capaz de existir por ele mesmo. Subentende-se então, que a leitura de uma notícia pelo grande público quando divulgada por um veículo de comunicação é feita quase da mesma forma que um ato de fé, ou seja, como se ali estivesse a pura verdade e não uma versão da realidade. Assim esses leitores ignoram que esta informação é um ponto de vista de alguém, que trabalha para uma instituição, e que ambos têm interesses diversos à cerca desse produto.


Segundo Marx, em O Capital, citado por Moretzsohn, o “fetichismo da mercadoria” é “o processo através do qual os bens produzidos pelo homem, uma vez postos no mercado, parecem existir por si, como se ganhassem vida própria, escondendo a relação social que lhes deram origem”. Sylvia explica que esse fetichismo mercadológico aparece como uma “fantasmagórica relação entre coisas”, como se fossem naturais, neutralizando a capacidade humana de perceber o processo de como foram produzidas essas informações.


A velocidade instantânea da notícia, em “tempo real”, nem sempre foi via de regra no jornalismo. A partir do início da década de 90, quando surgem os primeiros sites de notícias no Brasil, essa intantaneidade na informação passa a ser uma prioridade. Para Sylvia, essa mesma velocidade tem um viés ideológico que ajuda a vender a informação. Existe toda uma lógica de que “chegar na frente” é mais importante do que “dizer a verdade”. De acordo com essa lógica, Negri, citado por Sylvia, justifica: “a informação só tem valor pela rapidez de sua difusão, ou melhor, a velocidade é a própria informação”.


Mas toda essa lógica empregada no jornalismo implica em alguns equívocos. A pressa geralmente incorre em informações mal apuradas e textos superficiais. Sylvia lembra o caso jocoso de Mark Twain que leu a própria morte na Associated Press. “A notícia sobre a minha morte foi muito exagerada”, ironizou Twain quando comunicou à agência. Contudo, as precipitações são uma constante em nosso jornalismo. Vê-se pelo caso da balsa que virou em Manaus. Todo dia tem uma informação diferente sobre a quantidade de mortos.


Quanto à superficialidade, hoje (6), ao ler uma notícia em um site de Rondônia, percebi que faltava uma informação elementar no texto que divulgava a condenação de um ex-prefeito do estado. Segundo o site, o homem foi condenado a 16 anos de prisão, mas nada dizia se ele podia ou não recorrer da decisão. Nem ao menos dizia quem o havia condenado.


Em todo caso, Sylvia lembra que há diferença conforme o tipo de veículo. Se impresso ou on line, por exemplo. E mesmo entre aqueles que figuram somente na Internet existe diferenças. Se superficial será acessado por leitores com pouca capacidade para a crítica. Se mais abrangente, aprofundando as idéias, será lido, evidentemente, por pessoas mais críticas, que procuram uma informação mais completa. Isso reflete na credibilidade do meio.


De toda forma, essa lógica do tempo real está presente em praticamente todos os veículos on line. E isso, ressalta Sylvia, afeta a prática do jornalismo como um todo, “radicalizando a corrida contra o tempo”. De acordo com Sérgio Augusto, citado por Sylvia, “cada vez mais o jornal é um produto que, antes de ser bom, precisa ser rápido para chegar mais cedo que os concorrentes às mãos do leitor”.


Schudson, mencionado por Sylvia, acha que o estado de pressa existente nas redações não é somente para fornecer ao leitor uma informação mais rápida. Segundo ele, “antes de se preocuparem com seu público, preocupam-se (os jornais) com os concorrentes”.


Se essa lógica de quem dá a notícia primeiro fosse alterada para a lógica de quem desse a notícia melhor, o jornalismo sem dúvida sairia ganhando. E quem, na verdade, mais lucraria com isso era o cidadão brasileiro e o estado democrático de direito.

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