quarta-feira, 11 de junho de 2008

Direitos humanos e cidadania GLBT


"A sociedade que nos mata é a mesma que nos leva para a cama"

*Raquel Teixeira

"Nem menos nem mais; direitos iguais." Com voz de comando, Toni Reis, presidente do grupo Dignidade e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT), liderou um coral de mais de 1.000 vozes, com as pessoas de pé, repetindo o refrão acima. Essas palavras expressam o espírito que reinou na Primeira Conferência Nacional GLBT, que se realizou em Brasília, de 5 a 8 de junho.

Primeira iniciativa governamental do gênero no mundo, convocada por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a abertura da Conferência foi prestigiada pelo próprio presidente, acompanhado da primeira-dama, de seis ministros e do advogado-geral da União, além de observadores de 14 países. Além do espírito de "direitos iguais", o outro espírito prevalecente era o da emoção. Emoção profunda, que fez vários dos presentes chorarem, diante do momento, histórico, de resgate e de respeito à diversidade e à democracia.

2008 é o ano em que se comemoram os 120 anos da Abolição da Escravatura, os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos e os 30 anos do movimento pelos direitos homossexuais no Brasil. Desde aquele tempo em Paris, quando o mundo, horrorizado com as atrocidades da guerra e do nazismo, resolveu fazer uma declaração universal dos direitos humanos, avançamos muito. Judeus, ciganos, índios, negros, crianças, mulheres, homossexuais, pessoas com deficiência, todos, em maior ou menor escala, alvos de preconceito, fazem parte do mesmo conjunto de cidadãos e cidadãs que a parte da sociedade, ainda machista, sexista, racista, homofóbica e intolerante insiste em querer discriminar.

Mas quando um presidente da República convoca uma Conferência Nacional e prestigia sua abertura, alguma coisa está mudando. Quando um ministro de Estado, Paulo Vannuchi, lembra Sócrates, Leonardo da Vinci, Oscar Wilde, Proust e Lorca como precursores do movimento do direito à livre orientação sexual, e outro ministro, José Temporão, anuncia a inclusão de cirurgia de mudança de sexo no pacote do Sistema Único de Saúde (SUS), alguma coisa realmente está mudando.

Mas ainda é pouco. E insuficiente. O mesmo país que faz uma Conferência GLBT é o país que a cada três dias assassina um cidadão GLBT. É o país que algema, humilha e prende um sargento do Exército que se declarou gay. O sargento Laci está doente, com depressão crônica, estresse traumático e esclerose múltipla, mas sendo tratado com desrespeito. Essa é a contradição. Explicada de maneira singela, ao mesmo tempo profunda, pela travesti Fernanda Benvenuty, aplaudida de pé: "A sociedade que nos mata é a mesma que nos leva para a cama." Não foi por outra razão que o presidente Lula disse que ainda vai criar o Dia Nacional de Combate à Hipocrisia.

Mas o que os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais realmente querem, perguntam alguns? Querem ser tratados como cidadãos e cidadãs com plenos direitos. Só isso. Na hora de votar ou de pagar tributos, ninguém pergunta qual é a orientação sexual e, nesse momento, são todos homens e mulheres no pleno exercício da sua cidadania. Mas na hora de receber os benefícios dos direitos humanos mais fundamentais, estes lhes são negados. Eles querem a união civil entre pessoas do mesmo sexo, querem poder adotar filhos, doar sangue e prestar serviço militar. Querem ser felizes. Ora, uma vez atingida a idade adulta, não há lei que possa proibir o livre exercício da sexualidade. Tentar fazer isso é cercear o direito de livre expressão, é ferir a autonomia e a dignidade dessas pessoas, é dificultar-lhes o acesso à saúde, ao trabalho, ao lazer. Porque conhecem como ninguém a força do preconceito, eles querem um Plano Nacional de Combate à Homofobia. Querem a criminalização da homofobia, como existe a criminalização do preconceito racial, por exemplo.

Talvez o maior desafio do século 21 seja aprender a conviver respeitosa e democraticamente com os diferentes. A Conferência Nacional é um avanço nesse sentido, fruto da sensibilidade do ministro Paulo Vannuchi e do presidente Lula. Mas ela é, acima de tudo, fruto da coragem, da capacidade de enfrentamento, das lágrimas e do sacrifício de muitos que viveram a humilhação, a tortura e a morte para inspirar outros, GLBT ou não, a assumirem sem medo nem hipocrisia a luta por uma sociedade sem preconceitos, sem violência, livre, solidária, onde cada um possa construir seu caminho para a felicidade.

À Negra Cris, ao Toni Reis e à Fernanda Benvenuty, que arrasaram na abertura da Conferência, minha admiração pela coragem e meu compromisso de defesa das causas que representam.

*Deputada federal PSDB (GO)

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