sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O jornalismo e a sociedade

por Mauro Santayana

Diante da deterioração do Estado e da conduta política, que nos angustia, cabe aos jornalistas, publicitários e escritores exame rigoroso de consciência a fim de pesar a sua responsabilidade nesse processo. O Primeiro Salão do Jornalista e Escritor, promovido pela ABI de São Paulo e organizado por Audálio Dantas, provocou sérias reflexões sobre o assunto. Os convidados, homens de experiência e talento, são conhecidos por sua independência e reputação ética.

Foram convidados jornalistas que eventualmente escrevem livros e escritores que trabalham também em jornais e revistas. Mas não se tratou apenas do estilo e da gramática. Os debates conduziram, naturalmente, ao exame do comportamento dos meios de comunicação na sociedade de hoje, que se move sob os signos do mercado, do lucro fácil e da vulgaridade. Uma constatação comum aos que estiveram no Memorial da América Latina foi a de que o sentimento de compaixão para com os pobres desapareceu dos meios de comunicação. Tal como a Justiça, que é quase sempre de classe, o jornalismo também parece ser assim.

É certo que, no passado, houve jornalistas que sempre agiram em favor dos ricos e privilegiados, e notórios bandidos, cujas máquinas de escrever funcionavam como metralhadoras de assaltantes. Mas a maioria, quase sempre vinda do povo, se indignava contra a injustiça. Reportagens retratavam o sofrimento do povo e estimulavam a solidariedade. Hoje, as reportagens praticamente desapareceram dos jornais e revistas.

Também são poucos os escritores de nosso tempo que tratam de temas sociais importantes, como foram, no passado, Dionélio Machado (Os ratos), Jorge Amado (Capitães da areia e Jubiabá, entre outros), Graciliano Ramos (Vidas secas), Érico Veríssimo (Saga, Caminhos cruzados), José Lins do Rego (Fogo morto). Isso ocorre no mundo inteiro. Não há mais ficcionistas como Zola (Germinal), Michael Gold (Judeus sem dinheiro), John dos Passos (Manhattan transfer), John Steinbeck (Vinhas da ira), e tantos outros. Podemos lembrar também os escritores da Resistência, como o grande Vercors, com as clandestinas Éditions de minuit, durante a ocupação da França pelos nazistas. A literatura, acompanhando o espírito de nosso tempo, salvo poucas exceções, deixou de incitar à reflexão para indicar o caminho da evasão. Publicitários promovem autores medíocres e transformam qualquer livro em best-seller, o que não significa fazer dele um best-reading. Coube a Ziraldo, no encontro de São Paulo, a nota mais cáustica contra esse tipo de literatura, ao dizer que agora só falta alguém escrever O cafetão de Cabul. É bem verdade que o Ciclo de Cabul é um caso de marketing político para induzir a aversão aos muçulmanos.

Não se ausentou do encontro a nota de esperança dos jovens. A repórter Eliane Brum defendeu a presença da vida da gente comum - que deve ser tratada com solidariedade e respeito - nos meios de comunicação de massa. Aquela mesma gente comum que começa a expor - e com orgulho legítimo - a própria imagem, na periferia das grandes cidades e nas margens da sociedade de consumo. Quando os costumes corroem a cultura, é a contracultura que pode salvá-la, como ocorreu há 400 anos, com o Dom Quixote de Cervantes.

Foi consensual a conclusão de que não há imparcialidade no jornalismo. Tudo, na vida, é escolha, e a escolha é o fundamento da liberdade, mas, em qualquer situação, a verdade nunca deve ser negada ao leitor, ou ao telespectador. O jornalista terá que ser independente em seu juízo, em respeito a tudo o que identificar como sendo verdade.
*Mauro Santayana escreve a coluna Coisas da Política no JB

sábado, 17 de novembro de 2007

Todas as cores do amor


Por
Iran Barbosa*

"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e näo tivesse amor, (...) eu nada seria". I Coríntios 13: 1-2.

A principal mensagem do evangelho de Jesus Cristo é o amor. Isso está evidente na máxima segundo a qual devemos "amar o próximo como a nós mesmos". O amor também é o fundamento da maioria das religiões, cristãs e não-cristãs.

Infelizmente, o amor cedeu espaço à intolerância na análise do PL 122/2006, em trâmite no Senado Federal, que torna crime a prática da homofobia.

A polêmica é falsa. Primeiro, porque o pleno exercício da sexualidade, livre de preconceito, discriminação e violência é um direito de todas as pessoas em um Estado Democrático de Direito, onde religião e políticas públicas não se confundem.

Segundo, porque a lei não instituirá comportamentos. Eles já existem. O PL 122/2006 apenas assegurará que as individualidades das pessoas homossexuais não sejam violadas pelos que não aceitam a livre orientação sexual e a identidade de gênero.

O Brasil é campeão de homofobia. Mais de uma centena de seres humanos são barbaramente assassinados anualmente apenas por serem homossexuais. Milhares de outros sofrem agressões físicas e psicológicas, diariamente, somente porque amam seus iguais.

Homossexualidade não é doença! Os gays são mais de 18 milhões de cidadãos e cidadãs tratados como seres de segunda categoria, pois têm os mesmos deveres mas não podem usufruir dos direitos garantidos aos heterossexuais.

O que o PL 122/2007 faz é eleger a integridade física e psicológica das pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (GLBT) à dignidade de bem jurídico tutelado pelo direito penal. Ou seja, ele criminaliza a homofobia, submetendo essa prática às mesmas penas previstas para o racismo. Seu grande mérito é desestimular comportamentos homofóbicos, em especial os crimes que hoje em dia são praticados com requintes de crueldade.

Interpretações baseadas em leituras fundamentalistas da Bíblia não podem inviabilizar a criminalização da homofobia. Os argumentos de que o PL atinge os princípios da liberdade de expressão e da liberdade religiosa também não se sustentam, já que o projeto apenas pune condutas e discursos discriminatórios. Se o racismo, a discriminação de gênero e a xenofobia já são crimes, por que não a homofobia?

O projeto não interfere na liberdade de culto ou de pregação religiosa. Essa liberdade é uma grande conquista da civilização contemporânea. Seu fundamento essencial é a separação entre Igreja e Estado, ou seja, o Estado laico. "A Deus o que é de Deus, a César o que é de César". Assuntos religiosos têm que ser tratados pelas religiões. Políticas públicas são questões de Estado.

O mesmo Estado laico que assegura a liberdade religiosa, impede que as crenças interfiram nas políticas públicas. Por esse motivo, as religiões podem manifestar livremente juízos de valor teológico sobre a homossexualidade, mas não podem impedir que o Estado brasileiro comece a pagar a dívida inaceitável que tem com a comunidade homossexual. Também não podem praticar condutas discriminatórias e incitação à violência.

A homossexualidade, para alguns, é pecado. Para outros, sem-vergonhice. Pensamos que não é nem uma coisa nem outra. É apenas uma das muitas faces da complexidade humana. À sociedade e ao Estado cabe respeitar a liberdade dos que possuem uma orientação sexual diferente. Diversas religiões entenderam isso, tanto que a Igreja Cristã Metropolitana e a Igreja Anglicana aceitam a homossexualidade, ordenando, inclusive, religiosos homossexuais para postos de destaque em suas fileiras.

As relações homoafetivas são um fato. Elas geram direitos e deveres. Em um Estado laico e democrático, podem e devem ser reconhecidas, como já aconteceu em diversos países social e juridicamente mais avançados.

O PL 122/2006 causa polêmica porque nossa sociedade ainda é marcada por traços machistas, sexistas e homofóbicos. Alguns setores ainda não aprenderam a conviver com o diferente, o que causa estranhamento em um país com tanta diversidade cultural, social e religiosa como o Brasil.

A "paz de cemitério" que reinava, até a década de 90, entre homofóbicos e as pessoas GLBT beneficiava apenas aos primeiros, em detrimento da dignidade e dos direitos humanos dos segundos. A invisibilidade dos homossexuais diminuiu sensivelmente com as paradas e as políticas públicas que, finalmente, começam a ser implementadas no Brasil. A maior parada gay do mundo reuniu mais de 3,5 milhões de pessoas em São Paulo, este ano, e mais de 30 mil aqui em Aracaju.

A visibilidade dos homossexuais trouxe consigo os conflitos. Mas o regime democrático não pode resolver esses conflitos oprimindo os homossexuais ou mantendo-os no anonimato. Ao contrário, deve fazê-lo alargando a cidadania, de sorte a incorporar os GLBTs.

Nesse contexto, o PL 122/2006 ajuda o Brasil a enfrentar a guerra desumana contra o preconceito e a discriminação. Representa um passo importante na caminhada em defesa da dignidade humana das pessoas GLBT. É, enfim, um projeto que homenageia o amor, em todas as suas cores.


*Iran Barbosa é professor e deputado federal pelo PT/SE

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

90 Anos da Revolução Russa


por Marly A. G. Vianna*

As opiniões sobre a Revolução Russa são geralmente bastante polarizadas: ou furiosamente contra ou apaixonadamente a favor. Nos dias de hoje, quando muitos comemoram seu fim, surge uma outra posição que, sem se dar ao trabalho de criticá-la (pois já não se foi?), simplesmente a colocam num passado remoto, fora de moda, fora de época, jurássica.

É compreensível que assim seja. A Revolução Russa foi a primeira grande revolução proletária do mundo. Foi o primeiro acontecimento mundial a mostrar que o capitalismo não é o fim da história, que é possível constituir uma sociedade sem que um grupo humano explore outro, uma sociedade solidária para além de suas fronteiras nacionais. Essa é uma visão de mundo que a Revolução Russa concretizou e, por ter sido tão radical em sua transformação da sociedade capitalista, é natural que polarize opiniões: de um lado, como disse Marx, os que nada tinham a perder e todo um mundo a ganhar; de outro, aqueles que defendiam sua sobrevivência enquanto classe. Inevitável polarização, de idéias e de atitudes.

Para aqueles que se colocam na firme defesa da Revolução Russa, cabe entendê-la, tanto nos seus acertos, que foram imensos, quanto nos seus erros e descaminhos, que foram também imensos e que levaram a que se encerrassem ingloriamente 70 anos de socialismo.

Marx e Engels, como todos os revolucionários, esperavam que a revolução proletária ocorresse em país com alto nível não só econômico como cultural. Mas sabiam que não bastam as condições objetivas para que se dê uma revolução. Na Alemanha, que parecia cumprir todos os requisitos para a ocorrência e consolidação do socialismo, as vontades revolucionárias enfrentaram uma oposição tenaz e violenta, acabando por fracassar em seus intentos de transformação social. Já na Rússia, atrasada econômica e culturalmente, a guerra ajudou a enfraquecer não só o tzarismo absolutista quanto a burguesia vacilante do primeiro momento revolucionário. Por outro lado, a humanidade jamais viu um grupo de políticos como o primeiro grupo bolchevique que, sob a direção de Lênin, soube organizar e comandar o povo russo pelo caminho da revolução proletária.

Dá-se sempre a Revolução Russa como exemplo de uma revolução violenta, sangrenta, o que não é verdade. A tomada do Palácio de Inverno foi quase que pacífica. Violenta foi a reação à revolução. Sangrentos e violentos foram os ataques da Entente, países coligados, depois da guerra, para atacar a jovem República Soviética. Violenta foi a contra-revolução dentro do país. Realizada em meio ao caos da Grande Guerra, contabilizando as perdas sofridas em seu território para garantir a paz, enfrentando as poderosas forças coligadas contra ela, que lhe impuseram um verdadeiro cordão sanitário, que lhe isolaram atrás de uma “cortina de ferro”, a revolução havia sobrevivido e começava a consolidar uma nova sociedade. E isso não teria sido possível sem o apoio maciço da população. Em 1930 o país havia retomado o nível econômico de 1913, antes da 1ª Guerra Mundial, e parecia que teria agora, vencidos tantos obstáculos, a paz necessária para reconstruir-se - esperança logo frustrada pela II Guerra.

Disse Maiakósviski, em um de seus poemas, que é impossível pensar na revolução com um prego no sapato. Era preciso criar as bases materiais para alicerçar sobre elas o socialismo. Nisso a revolução teve pleno êxito: saúde gratuita e ao alcance de todos, casas sendo construídas a ritmo vertiginoso e distribuídas à população, educação para todos, com um mínimo de oito anos de escolaridade obrigatória, transporte subsidiado e praticamente gratuito. Os êxitos econômicos foram imensos, mas não bastam. Uma série de situações históricas dificultaram – e muitas vezes impediram mesmo – a caminhada na direção de uma sociedade socialista – fundamentalmente humanista.

Nesse ponto, o fenômeno Stalin deve ser analisado, porque o que passou a ser chamado de stalinismo, isto é, o conjunto de situações históricas que configuraram os rumos da revolução, e que explicam, inclusive o comportamento de seus dirigentes, foi o responsável pelos descaminhos do marxismo e da revolução.

Stalin era o representante mais coerente de uma situação histórica, de uma Rússia atrasada, preconceituosa, sem tradição de respeito ao indivíduo, de uma Rússia muito mais autêntica do que a Rússia culta e humanista representada por Lênin, Trótski, Bukárin, Zínoviev, Kámenev e tantos outros. Dentro das inúmeras dificuldades por que passava a revolução, a personalidade de Stálin ganhou força porque sua atuação, e os apelos místicos a que era dado, chegaram - exatamente pelo que tinham de apelativos -, ao coração de uma massa que fizera a revolução, lutava por ela, mas estava exausta de sacrifícios e dificuldades.

O PCUS, depois da sangria da guerra civil, estava profundamente debilitado. Os melhores quadros bolcheviques haviam morrido na luta e as dificuldades imensas a serem enfrentadas foram fazendo, como notou Isaac Deutscher , com que o partido substituísse o povo, que soubera tão bem conduzir no início da revolução. Depois o comitê central substituiu o partido, o birô político o comitê central e Stalin pôde dominar o birô político.

Por ter um pensamento teórico e político pouco elaborado, Stalin foi um mestre nas simplificações e abastardamento do marxismo, o que o fez com que qualquer um pensasse entendê-lo bem, sem qualquer esforço ou dificuldade. Foi um sucesso. Sua doutrina, ainda segundo Deutscher, “sem raízes profundas em idéias e sem qualquer originalidade em suas previsões, resumem uma corrente de opinião ou emoção poderosa e não expressada até então. (...) Uma de suas características notáveis era a de sentir as tendências psicológicas subterrâneas prevalecentes no partido e imediações, esperanças não confessadas e desejos tácitos, de que se constituiu porta-voz.”

A Rússia, premida pelas dificuldades internas e ataques externos, viu-se forçada, para sobreviver, a atitudes extremas, como foi a industrialização e a coletivização forçada, que levou mais de 100 milhões de camponeses a abandonarem suas primitivas explorações. A alfabetização, também forçada, fez com que milhões de analfabetos aprendessem a ler e escrever. Tudo tinha que ser forçado, até mesmo a mudança de costumes arraigados, como a poligamia de certas regiões, ou o profundo desprezo pela mulher, que passou a ser tratada com igualdade pela República soviética. Ivan o Terrível, Pedro o Grande e outros reformadores de outras nações parecem anões ao lado do vulto gigantesco do secretário-geral, escreveu Deutscher: “Um homem comum, de idéias medianas, com punhos e pés de gigante”.

Construir o socialismo na Rússia, nas circunstâncias históricas em que isso foi possível, revolucionar o país por completo, era uma tarefa hercúlea. Era preciso “forçar”. E nesse processo, foram sendo destruídos postulados fundamentais do marxismo, como a democracia interna do partido, a democracia socialista para o povo, o respeito ao ser humano. Desse processo Stalin foi tanto artífice quanto vítima.

No espaço que temos não podemos nos aprofundar em tantas questões de fundamental importância para a compreensão da Revolução Russa. Quero então frisar que para opinar sobre a Revolução Russa com um mínimo de seriedade é preciso estudá-la, entendê-la e explicá-la, saber porque os acontecimentos históricos se desenrolaram da forma em que ocorreram e não de outra.

Estar ao lado dos revolucionários russos não quer dizer esquecer os erros que cometeram. É preciso abominar as barbaridades cometidas na época do chamado stalinismo, sem esquecer que a Revolução Russa foi a primeira tentativa de criação de um estado proletário na história da humanidade, e que seu povo pagou alto preço pelo sonho de construir uma sociedade igualitária. Pagou com 20 milhões de vidas a derrota do nazi-fascismo. Tirou de suas mais básicas necessidades recursos para ajudar a manter a paz no mundo, o respeito à autodeterminação dos povos, a luta contra o colonialismo, o apoio à Revolução Cubana. É patético ouvir pessoas que jamais foram capazes de desejar algo além de mesquinhas necessidades, vivendo num país carente de quase tudo, julgando com altivo desprezo e espantosa superficialidade um povo que foi capaz de feitos e sacrifícios inauditos para construir um mundo verdadeiramente humano.

Evidentemente, aqueles que estamos ao lado da Revolução Russa sofremos uma derrota, assim como aqueles que prezam a paz e querem fazer frente à barbárie em que nos encontramos. Mas ser derrotado não quer dizer não ter razão. Como expressou um revolucionário, Buonaventura Durutti: “Não temos medo de ruínas – nós herdaremos a Terra. Não há a menor dúvida quanto a isso. A burguesia pode fazer explodir e arruinar seu próprio mundo antes de abandonar o palco da História. Nós trazemos o novo mundo em nossos corações.”

*Marly Vianna é Professora da História da Universidade Federal de São Carlos

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sexta-feira, 9 de novembro de 2007

De coração pra cu tem muita diferença


Por Henrique Silter


Há poucos dias estava eu na fila de um supermercado em Brasília para pagar as compras. Na minha frente havia um casal que também iria fazer a mesma coisa, pagar os dividendos de consumo. Na fila ao lado tinha uma senhora de uns 50 e poucos anos que surpreendeu o casal com a seguinte pergunta: "Quem é que vai tomar esse refrigerante?", apontou a senhora para o produto que se encontrava no carrinho do casal. "Sou eu mesma", disse a mulher.


A senhora então retrucou:


- Se eu fosse você não faria isso não...


- Mas por quê?


- Hoje recebi um e-mail que acusa essa marca de causar câncer no intestino de quem tá consumindo esse refrigerante. Disse a senhora.


- Sério? Respendeu admirada a mulher e depois ficou murmurrando algumas coisas com o marido.


- Sério mesmo! Se você quiser eu te passo o e-mail. Disse a senhora já pegando a agenda para anotar o e-mail da outra, que aceitou a gentileza. No entanto, o casal não deu muita importância e levou as duas latinhas de refrigerante para casa.


No momento em que anotava o e-mail da outra pedi para receber a mensagem também. Dois dias depois recebi o e-mail que trazia no cabeçalho a mensagem: “Que deus te abençoe rica e abundantemente!”


Com um título sensacionalista, o texto chamava atenção para um “Alerta Geral”.


- Não beba esse refrigerante. A propaganda parou... Por quê? Reparem... a propaganda quase não se vê mais na mídia.... Por que será?



Segundo o e-mail, o motivo para não tomar o refrigerante é pelo seguinte:



- Fato já está confirmado, vinte e três pessoas já passaram pelo Hospital das Clínicas com um mesmo sintoma: falta de atividade renal e o aparecimento de tumores no reto.


E justificativas "científicas" não faltavam.


- Pesquisas realizadas pelo renomado Instituto Fleury, apontaram grande quantidade de Fenofinol, almeido e Voliteral, substâncias tóxicas e que causam, respectivamente, a má atividade dos rins e câncer. Segundo Dr.Paulo José Teixeira, formado pela USP e Especialista em Toxicologia, as pessoas não devem ingerir mais o citado refrigerante.


Ao concluir, a mensagem informava que a empresa que fabrica o refrigerante havia assumido a culpa e se comprometido a indenizar todos que sofreram algum dano.


Por fim, no final do e-mail, ainda havia aquela velho pedido de repassar a mensagem ao maior número de pessoas e blá, blá, blá. Assinado Monique Freitas, que não era a senhora com mais de 50.


Havia alguns telefones na mensagem, um deles com ramal, do instituto especializado em cirurgias no coração. “Mas não causa é câncer no reto?”, pensei na hora. “Ops! De coração para cu tem muita diferença”.


Disquei para um dos números e não consegui completar a ligação. Liguei para outro, mas também não deu certo. Procurei o site na internet e encontrei um outro telefone do instituto. Disquei novamente e depois de uns toques caiu na secretária eletrônica. "Sobre não sei o que disque 1. Para sei lá disque 2. Para falar não sei aonde disque 3 (...) Para voltar ao menu inicial disque 9". Perdi a paciência e fui procurar pelo tal médico da USP na Internet.


Quando coloquei o tal nome do doutor no site de busca, numa pesquisa simples que apareceu logo em cima, a primeira surpresa: a história nada mais era do que uma das muitas lendas da Internet. Daí então vi que havia uma certa “briga” entre as marcas de refrigerante. O conteúdo das mensagens era sempre o mesmo e mudava apenas o nome do refri.


Não tenho pretenção de fazer propaganda pra marca A, B, ou C.
Nem gosto muito de refrigerantes. Só achei imprudente o repasse da mentira. Para acabar com o mal entendido respondi o e-mail para a senhora que havia me encaminhado.


- Cara fulana, meu nome é tal e sou jornalista. Sou a pessoa que a senhora enviou o e-mail do refri... Isso se trata de um grande engano...


No dia seguinte, quando me respondeu o e-mail, tive a 2ª surpresa:


- Desculpe-me por ter passado à fente uma mensagem sem antes pesquisar à respeito. Que Mico! E o mico é grande mesmo, pois, pasme! Eu também sou jornalista, há 25 anos. Que vexame! Agora é torcer para você não vir a ser o meu próximo chefe... Pretendo apenas procurar policiar-me, cada vez mais, da tentação de passar adiante qualquer e-mail que me chega, e, mais que isso, passar a informaçao boca-a-boca sem tê-la checado devidamente, o que a minha rotina diária, infelizmente não permite.


- Daí então fiquei matutando... “Os jornalistas estão preguiçosos ou realmente muito ocupados?”.


Na verdade, a única coisa boa nessa história toda é que no final do e-mail havia uma frase de Cora Coralina que despertara para uma certa beleza filosófica. “Feliz daquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.


Se bem que em se tratando de tal confusão é necessária uma nova pesquisa para poder afirmar com certeza que o enunciado seja de fato da poetiza goiana.


Permitida reprodução desde que citada a fonteMídia Alternativa: A Hora e Vez

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Tropa de Elite e a leitura reacionária



Por Lelê Teles*

Detesto ver estréia de filmes, detesto cinema lotado. Detesto ter que ver um filme só porque todo mundo tá vendo e comentando. Não sou animal de rebanho. Por isso, até ontem não havia visto Tropa de Elite. Fui motivado a vê-lo, sobretudo, depois de uma discussão com uma colega de trabalho. Ela chegou toda triunfante e falou: "Olha, já parou para pensar quantas pessoas têm que morrer para você enrolar o seu baseado?"

Ela ficou parada na minha frente, puxando a blusa pra baixo e a calça pra cima, num gesto quase automático das meninas. Você tá namorando PM, Olívia? E ela: "hã?" Eu falei alto, "tá namorando PM ou tá lendo a Veja, Olívia? De onde você tirou essa frase ridícula?" E ela triunfante: "Eu vi o filme Tropa de Elite, o filme mostra que vocês, que usam drogas, alimentam o mercado negro e a violência..." antes que ela terminasse a frase eu perguntei: Olívia, pelo que me consta esse filme ainda não saiu no cinema, onde você viu o filme?" Vi em casa, como todo mundo; ela disse. Olívia, você comprou um filme pirata e vem falar de quem alimenta o mercado negro e a violência? Vá se catar Olívia! Ela saiu toda desajeitada, baixando a blusa e levantando a calça por trás, puxando o cós.

Ontem teve promoção no cinema, filmes brasileiros a dois reais, fui ver o Tropa e constatar se a Olívia tinha tirado a frase do filme ou ela interpretou errôneamente o que ouviu. Bom, a frase tava lá. E o filme é um recorte sob o ponto de vista de um policial assassino!

Entre outras coisas o filme fala de um Estado que só sobe o morro fardado, um lugar-comum. E fala de uma abstração chamada sistema. A palavra chave do filme é SISTEMA. O SISTEMA criou uma polícia militar corrupta. E um Estado Policial. Proibiu a venda de drogas, mas também colocou sob o mesmo crime plantar, dar, oferecer, transportar ou usá-las.

No entanto, sob um juízo muito discutível, o SISTEMA resolveu discriminar as drogas, dizendo as que podem e as que não podem ser comercializadas, e o critério é simplesmente não ter critério. Com a proibição, o SISTEMA criou o mercado negro. O mercado negro gerou a violência e a violência gerou o Bope. O SISTEMA criou o Bope pra matar, não para acabar com o tráfico ou a violência, mas para gerar mais violência.

Curiosamente o filme fala quase que exclusivamente de maconha. A maconha é um estupefaciente; portanto, inibe o usuário, ao invés de torná-lo forte, invencível e assassino. No mundo inteiro, o cigarro e o álcool são os maiores causadores de mortes. A cocaína e a maconha nem entram nestas estatísticas, porque sua contribuição para morte de pessoas é insignificante. A não ser quando traficantes lutam por pontos-de-venda, ou viciados matam para comprar droga, mas isso também é insignificante nas estatísticas. No entanto, na televisão o que mais se propaga é o uso de álcool. O álcool como se sabe é o maior causador de acidentes fatais no trânsito. O álcool é um conhecido destruidor de lares. O álcool e o alcolismo levam o Estado a gastar milhões de reais com o sistema de saúde só pra cuidar destes viciados.

Em Brasília, decretou-se a lei seca, por um período, e o crime diminuiu e muito. Percebeu-se que a maior parte dos crimes violentos têm o álcool como estopim. Mas o Capitão Nascimento não mata quem bebe, nem quem vende bebida. E o aspira Matias não espanca cachaceiros em butecos; o Capitão Fábio até toma uma cervejinha enquanto trabalha.

O problema é que quase todas as culturas humanas que palmilharam esse planeta, em qualquer época, utilizaram algum tipo de substância que altera a consciência: ervas, cactus, fermentação de frutos, fervura de raízes, substâncias extraídas de animais (sobretudo anfíbios), folhas, cogumelos, sementes, flores (como a papoula), raspa de tronco de árvores etc! Inclusive alguns animais se utilizam também deste recurso: macacos fabricam "cachaça" com a fermentação de alguns frutos, gatos comem ervas que os deixam alucinados etc. Não seria diferente em uma sociedade frenética como a nossa.

O problema é que o GRANDE SISTEMA não permite que os peruanos, bolivianos e colombianos vendam suas drogas em pó (porque as folhas são endêmicas, só dão em fartura naquela região), permitem somente que escoceses, franceses, alemães e italianos vendam suas drogas líquidas, que são patrimônios nacionais, veja você. E não se esqueça, o proibição do álcool criou o Alcapone (quase um sinônimo) e enriqueceu a assassina e sanguinária máfia italiana. O ópio também é proibido, porque senão viraria uma fonte legal de riqueza para países como Afeganistão e Marrocos. Ora, o sistema tem um cérebro e uma ideologia! O Mc Donald's mata mais que a maconha!

Agora veja você, nas usinas de cana do Brasil ocorre um vergonhoso genocídio, boias-frias que vivem no máximo 27 anos, morrem de exaustão por conta do trabalho escravo ao qual são submetidos. O SISTEMA estimula esse tipo de trabalho escravo. Quantas pessoas têm que morrer para você colocar álcool no seu carro? Law Kin Chon, o magnata da pirataria no Brasil, e que alimenta o SISTEMA com propina, explora miseráveis e mata para manter o seu negócio sujo. Quantas pessoas têm que morrer para você poder assistir a um DVD pirata ou desfilar com uma falsificação da Louis Vuiton? A lista é enorme. Se um filme pode ser resumido a uma frase, a um jogo de retórica tão lugar-comum como esse, ou o filme é muito ruim ou os seus espectadores é que o são!

*Lelê Teles é escritor e publicitário