sexta-feira, 9 de novembro de 2007

De coração pra cu tem muita diferença


Por Henrique Silter


Há poucos dias estava eu na fila de um supermercado em Brasília para pagar as compras. Na minha frente havia um casal que também iria fazer a mesma coisa, pagar os dividendos de consumo. Na fila ao lado tinha uma senhora de uns 50 e poucos anos que surpreendeu o casal com a seguinte pergunta: "Quem é que vai tomar esse refrigerante?", apontou a senhora para o produto que se encontrava no carrinho do casal. "Sou eu mesma", disse a mulher.


A senhora então retrucou:


- Se eu fosse você não faria isso não...


- Mas por quê?


- Hoje recebi um e-mail que acusa essa marca de causar câncer no intestino de quem tá consumindo esse refrigerante. Disse a senhora.


- Sério? Respendeu admirada a mulher e depois ficou murmurrando algumas coisas com o marido.


- Sério mesmo! Se você quiser eu te passo o e-mail. Disse a senhora já pegando a agenda para anotar o e-mail da outra, que aceitou a gentileza. No entanto, o casal não deu muita importância e levou as duas latinhas de refrigerante para casa.


No momento em que anotava o e-mail da outra pedi para receber a mensagem também. Dois dias depois recebi o e-mail que trazia no cabeçalho a mensagem: “Que deus te abençoe rica e abundantemente!”


Com um título sensacionalista, o texto chamava atenção para um “Alerta Geral”.


- Não beba esse refrigerante. A propaganda parou... Por quê? Reparem... a propaganda quase não se vê mais na mídia.... Por que será?



Segundo o e-mail, o motivo para não tomar o refrigerante é pelo seguinte:



- Fato já está confirmado, vinte e três pessoas já passaram pelo Hospital das Clínicas com um mesmo sintoma: falta de atividade renal e o aparecimento de tumores no reto.


E justificativas "científicas" não faltavam.


- Pesquisas realizadas pelo renomado Instituto Fleury, apontaram grande quantidade de Fenofinol, almeido e Voliteral, substâncias tóxicas e que causam, respectivamente, a má atividade dos rins e câncer. Segundo Dr.Paulo José Teixeira, formado pela USP e Especialista em Toxicologia, as pessoas não devem ingerir mais o citado refrigerante.


Ao concluir, a mensagem informava que a empresa que fabrica o refrigerante havia assumido a culpa e se comprometido a indenizar todos que sofreram algum dano.


Por fim, no final do e-mail, ainda havia aquela velho pedido de repassar a mensagem ao maior número de pessoas e blá, blá, blá. Assinado Monique Freitas, que não era a senhora com mais de 50.


Havia alguns telefones na mensagem, um deles com ramal, do instituto especializado em cirurgias no coração. “Mas não causa é câncer no reto?”, pensei na hora. “Ops! De coração para cu tem muita diferença”.


Disquei para um dos números e não consegui completar a ligação. Liguei para outro, mas também não deu certo. Procurei o site na internet e encontrei um outro telefone do instituto. Disquei novamente e depois de uns toques caiu na secretária eletrônica. "Sobre não sei o que disque 1. Para sei lá disque 2. Para falar não sei aonde disque 3 (...) Para voltar ao menu inicial disque 9". Perdi a paciência e fui procurar pelo tal médico da USP na Internet.


Quando coloquei o tal nome do doutor no site de busca, numa pesquisa simples que apareceu logo em cima, a primeira surpresa: a história nada mais era do que uma das muitas lendas da Internet. Daí então vi que havia uma certa “briga” entre as marcas de refrigerante. O conteúdo das mensagens era sempre o mesmo e mudava apenas o nome do refri.


Não tenho pretenção de fazer propaganda pra marca A, B, ou C.
Nem gosto muito de refrigerantes. Só achei imprudente o repasse da mentira. Para acabar com o mal entendido respondi o e-mail para a senhora que havia me encaminhado.


- Cara fulana, meu nome é tal e sou jornalista. Sou a pessoa que a senhora enviou o e-mail do refri... Isso se trata de um grande engano...


No dia seguinte, quando me respondeu o e-mail, tive a 2ª surpresa:


- Desculpe-me por ter passado à fente uma mensagem sem antes pesquisar à respeito. Que Mico! E o mico é grande mesmo, pois, pasme! Eu também sou jornalista, há 25 anos. Que vexame! Agora é torcer para você não vir a ser o meu próximo chefe... Pretendo apenas procurar policiar-me, cada vez mais, da tentação de passar adiante qualquer e-mail que me chega, e, mais que isso, passar a informaçao boca-a-boca sem tê-la checado devidamente, o que a minha rotina diária, infelizmente não permite.


- Daí então fiquei matutando... “Os jornalistas estão preguiçosos ou realmente muito ocupados?”.


Na verdade, a única coisa boa nessa história toda é que no final do e-mail havia uma frase de Cora Coralina que despertara para uma certa beleza filosófica. “Feliz daquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.


Se bem que em se tratando de tal confusão é necessária uma nova pesquisa para poder afirmar com certeza que o enunciado seja de fato da poetiza goiana.


Permitida reprodução desde que citada a fonteMídia Alternativa: A Hora e Vez

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